27 set 2019

Organizações estudantis se movimentaram no Setembro Amarelo, como o Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC), da ECA. Crédito: Tamara Nassif

Suicídio não é notícia. Existem cartilhas de recomendação a jornalistas feitas pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre como tratar do assunto em veículos de informação, muitas vezes indicando abordagens veladas para evitar “suicídios por imitação”, o chamado Efeito Werther, nomeado a partir de uma onda de suicídios que sucederam a publicação do livro “Os sofrimentos do jovem Werther”. Mas, em setembro, o suicídio vira notícia.

De acordo com Esther Hwang, psicóloga e especialista em suicídio e comunicação, o que acontece é uma concentração massiva de reportagens, palestras, eventos e discussões sobre o tema, em gancho com o Setembro Amarelo – talvez para gerar de fato um período de reflexão, talvez por ser mais conveniente deixá-lo de lado durante os outros meses do ano.

“É um tema muito difícil de ser abordado, justamente por ser tão angustiante e delicado. E, por ser um grande tabu, muito do que se fala de prevenção é no sentido de prolongar a vida, de evitar a morte a qualquer custo, sem entender os motivos que originaram a ideia de suicídio em primeiro lugar”, disse ao JC.

Ela explica que esse tabu vem associado a duas ideias onipresentes em sociedades ocidentais: a do medo da morte e a de viver em um mundo de técnica, em que o comando é fazer, não refletir. Isso quer dizer que, no instante em que nos deparamos com alguém que está pensando em tirar a própria vida, a resposta instintiva é de buscar “salvá-lo” invés de fornecer um ambiente de acolhimento, compreensão e escuta cuidadosa.

“Toda prevenção e todo cuidado devem começar em buscar compreender o que que o outro está sentindo, sem inserir o desejo, o pré-conceito, de não deixar com que ele se suicide. E isso não é, de forma alguma, um incentivo, mas uma forma de se despojar de julgamentos e de entender que cada intervenção tem de ser voltada para a singularidade de cada pessoa, sem descaracterizar tudo que ela viveu e a colocar em caixinhas ou checklists de ‘sintomas’ ou ‘sinais de alerta’.”

E essa escuta cuidadosa não está restrita a profissionais de saúde mental. Apesar de ser recomendada e da dificuldade em realizar esse exercício por quem não tem formação em psicologia, Esther parte da premissa de que todo conhecimento deve ser compartilhado, porque, ao concentrá-lo em especialistas, ele é hierarquizado e não-difundido. Isso, inclusive, não isenta os próprios profissionais de saúde de terem dificuldades em realizar essa escuta cuidadosa despojada de preconceitos e julgamentos.

Não se trata simplesmente de postar nas redes sociais que “o inbox está aberto para quem quiser desabafar”, mas criar um ambiente permeado de afeto e cuidado para que esses sentimentos tomem contorno por meio da fala, e, assim, sejam propriamente nomeados e compreendidos, invés de encaixados em pré-definições.

“Dar lugar para o sofrimento de alguém não necessariamente evita a morte, mas legitima esse sofrimento, o torna reconhecido, real. Isso já é um grande passo para quem procura ajuda. Não é impor o desejo de salvar alguém, mas deixar que ele apareça naturalmente no outro. E, se ele não aparecer, não é culpa de ninguém”, explica.

Perguntada sobre esse sentimento de responsabilidade e culpa, ela devolveu: “Nós somos capazes de impedir a morte de alguém? A pessoa comunicou o desejo de suicídio, mas muitas vezes o desejo já está instalado ali. É preciso tomar muito cuidado quando falamos de ‘sinais de alerta’, porque isso gera muita culpa nos familiares por não terem visto algo, prestado atenção. Não há culpados pelo suicídio nesse sentido, porque ele também é uma vivência singular: se eu colocar a responsabilidade no outro, eu tiro a singularidade daquele sofrimento. Eu deixo de entender que é uma vivência de um sofrimento dessa pessoa”.

Ainda pensando em familiares e próximos, Esther afirma que o próprio mês de Setembro, em função da campanha, pode ser especialmente doloroso para aqueles que perderam alguém para suicídio.

É preciso ter cuidado com a forma com que informações são veiculadas e, sobretudo, cuidar para que elas não sejam concentradas em um único período. “Eu acredito que a campanha do Setembro Amarelo é um bom começo para começarmos a falar sobre o tema, mas precisamos abrir para discussão durante todos os outros meses do ano. Se a gente não discutir, ele vai virando um tabu cada vez mais cristalizado e difícil de lidar”, sublinha.

Onde e como buscar ajuda profissional dentro do campus?

O Instituto de Psicologia (IP-USP) conta com consultórios de pronto-atendimento localizados no Bloco D. Todas as terças-feiras, a partir das 15h30, é possível se consultar gratuitamente com psicólogos plantonistas em sessões de 50 minutos, sem necessidade de inscrição prévia.

Às quartas, no mesmo horário, são atendidos membros da comunidade USP, de funcionários a alunos, e moradores dos arredores, “do Rio Pequeno para cá”, como disse uma recepcionista que preferiu não ser identificada.

Os consultórios também atendem emergências todos os dias da semana, e em horários agendados com acompanhamento psicológico continuado, mediante inscrição no começo de todo semestre.

Se precisar, procure ajuda. Se puder ajudar, acolha.

Por Tamara Nassif

Publicado originalmente em Jornal do Campus

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