07 ago 2019

Aproximadamente 5,5 milhões de brasileiros não possuem registro paterno na certidão de nascimento e quase 12 milhões de famílias são formadas  por mães solo.

De acordo com Belinda Mandelbaum, professora de Psicologia Social no Instituto de Psicologia da USP e coordenadora do Laboratório de Estudos da Família (LEFAM), “a ausência paterna decorre de um vínculo com a criança que, de alguma maneira, não tem força o suficiente para se sobrepor a outros interesses ou necessidades desse pai.” Assim, ele deixa de cumprir uma função paterna que pode ser tanto de natureza material, intelectual ou afetiva: três formas de abandono. Os dois primeiros estão previstos no Código Penal. O último, entretanto, só começou a ser tratado na Justiça nos últimos anos.

O abandono material acontece quando se deixa de prover, sem justa causa, a subsistência do filho menor de 18 anos a partir da não garantia de recursos, de pensão alimentícia ou perante negligência em prestar socorro em caso de enfermidade grave. A pena para este crime é de um a quatro anos de detenção, além de multa fixada entre um e dez salários mínimos. O intelectual, por sua vez, ocorre quando o responsável deixa de garantir a educação primária do seu filho, dos 4 aos 17 anos, sem justa causa. A pena para a situação, além de multa, é de quinze dias a um mês de reclusão.

A indiferença afetiva de um genitor em relação a seus filhos, ainda que não exista abandono material e intelectual, pode ser constatada como abandono afetivo. Atualmente, algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ocorrem no sentido de conceder indenização a partir da premissa de que o abandono afetivo constitui descumprimento do dever legal de cuidado, criação, educação e companhia presente, previstos implicitamente na Constituição Federal de 1988.

A abordagem de tal temática pode levantar outras questões, como a  definição de família. Este é um campo de disputas ideológicas, que gera debate até mesmo no Congresso Nacional brasileiro. Para Belinda Mandelbaum “família é uma instituição social que existe em todas as sociedades e que apresenta algumas características comuns em todas.” Por exemplo, sempre são constituídas a partir de laços de natureza social e todas as sociedades têm alguma maneira de formalizar ou de identificar essa relação e união de natureza que não é biológica. A pesquisadora complementa que “a definição precisa ser muito ampla, para que possa de fato dar legitimidade aos diversos arranjos que as pessoas fazem e que consideram como sendo sua família.”

Para Fabiana Mazzorana, de 31 anos, sua família é a mãe e a avó materna. “Tendo elas, eu não preciso de mais nada. E meu pai é tipo aqueles amigos distantes, sabe?” Ela conta que ambos se dão muito bem quando conversam, mas enfatiza que tal troca de palavras só acontece quando ela o procura.

Esse distanciamento, por sempre ter existido, foi natural para ela durante sua infância. Mas quando cresceu e entendeu melhor a situação, começou a sentir um pouco de mágoa. Passou a saber que ele deveria ter feito a parte dele e não fez. “Tudo o que minha mãe fez, ele deveria ter feito junto.” Por exemplo, perguntar a sua mãe se ela precisava de ajuda e passar mais tempo com a filha para deixar a mãe ter um pouco de folga.

“A verdade é que ninguém cuida de filhos sozinho em nossa sociedade”, diz a coordenadora do Laboratório de Estudos da Família (LEFAM), que explica: se a mulher ou o homem tem que trabalhar, é preciso uma rede de pessoas que contribuem para esses cuidados. Ninguém dá conta de trabalhar fora e cuidar de filhos pequenos sozinho.

Mandelbaum também diz que “quando um pai se ausenta, isso deixa marcas na criança”, pois a questão de quem são nossos pais e de onde viemos é central na nossa constituição psicológica. Portanto, os outros adultos que fazem parte do cotidiano dessa criança apresentam papel fundamental para acolher as angústias, perguntas e fantasias que ela tem a respeito do pai biológico. “É claro que se o pai não está presente isso é uma questão que a criança vai ter que elaborar, né?”, enfatiza.

Também é importante refletir sobre como nossa sociedade enxerga o abandono parental. Para a professora do IP, tal visão é permeada por valores patriarcais, e o pai ausente é acusado por não desempenhar papeis como o de provedor e autoridade moral. “A mãe é mais difícil de se ausentar, é mais raro. Nesse sentido é até visto como algo muito mais condenável pela nossa sociedade, justamente também como parte desses valores patriarcais, o lugar da mulher é o lugar de cuidado com os filhos”, continua Belinda. Tamanha diferença no que diz respeito à maior parte de abandono paterno pode ser visto no fato de que o IBGE apresenta a categoria Mulher sem cônjuge e com filhos, mas não apresenta a categoria Homens sem cônjuge e com filhos. Estas mães solo correspondem à 17,4% das famílias brasileiras no ano de 2009.

Mandelbaum ressalta a importância, entretanto, de ter cuidado no tratamento dessa questão e relembrar que cada caso é um caso. “Podem haver situações de abandono em que o pai ou mãe abandonou, mas a gente precisa procurar entender os motivos. Analisar o que aconteceu, o que se deu na história dessa família, na dinâmica da família e do casal.”

Adaptado de Fala Universidade – texto original por Caroline Aragaki – Jornalismo Jr. ECA USP

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