São Paulo, 22 de outubro de 2020.

Nós, funcionários do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, rechaçamos veementemente o documento enviado pela reitoria no dia 21 de outubro de 2020 que obriga o retorno imediato presencial e “em bolhas” dos servidores técnico- administrativos da Universidade.

Trata-se de documento cuja definição se deu de modo unilateral, sem qualquer interlocução com as trabalhadoras e os trabalhadores da universidade, tampouco com as próprias unidades ou com os órgãos colegiados (tais como conselhos de departamento, congregações e conselho universitário).

Chama atenção o envio amplo desse documento pela reitoria à comunidade universitária por mensagem eletrônica, mas em formato de rascunho, desrespeitando, inclusive, os processos formais que ela mesmo impõe.

O retorno presencial exigido no documento-rascunho desconsidera o trabalho realizado pelos servidores durante estes sete meses, que possibilitou o funcionamento da universidade com todas as dificuldades geradas pelo contexto e pela própria pandemia e os recursos restritos existentes.

Foram criados pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores novos processos de trabalho para cuidar das demandas e possibilitar a realização de um conjunto de atividades administrativas e acadêmicas (de formação, extensão e pesquisa) e que continuam em vigência.

Tal decisão sobrepõe-se, assim, aos modos de fazer e aos conhecimentos locais que têm permitido o funcionamento e manutenção de atividades vigentes nas mais diferentes seções, setores, serviços e departamentos das unidades.

O documento desconsidera, ainda, que o trabalho presencial compulsório em formato de rodízio, sem qualquer conversa a respeito da real demanda de cada setor, gera quebra dos fluxos on-line já estabelecidos, produzindo descontinuidades desnecessárias de processos de trabalho. Essa quebra compromete a sustentação dos trabalhos discentes e docentes e pode conduzir a problemas para consecução de atividades acadêmicas no final de semestre.

Ressalta-se que as atividades acadêmicas permanecerão à distância até o ano que vem, salvaguardando dos riscos da pandemia as e os estudantes de graduação, de pós- graduação e docentes da universidade, o que não ocorrerá com as servidoras e os servidores administrativos e técnicos.

Gera indignação que uma universidade pública do porte da USP e que reivindica publicamente a defesa da democracia no país e os preceitos de respeito à constituição, trate com tamanho descaso a saúde de todas as trabalhadoras e de todos os trabalhadores e de suas famílias e comunidades, assim como com imensa desigualdade de tratamento e de direitos com relação a docentes e estudantes.

A desigualdade de tratamento dentro da universidade é gritante. Os trabalhadores terceirizados mal tiveram direito a qualquer isolamento social, com muitos sofrendo demissões em meio à pandemia. Os efetivos, por sua vez, demoraram para serem dispensados, e agora pretende-se obrigar uma volta compulsória sem qualquer diálogo ou demonstração de necessidade. As atividades que envolvem majoritariamente os docentes, como aulas e reuniões de colegiados, no entanto, permanecerão (corretamente) ocorrendo de maneira remota por tempo indeterminado. Os tristes números da pandemia entre nossa comunidade até o momento demonstram essa desigualdade: foram registradas mais de dez mortes entre trabalhadores e trabalhadoras efetivos e terceirizados por conta da COVID-19, entre eles uma querida colega do Instituto de Psicologia.

É vexatório que uma universidade que realiza pesquisas importantes na área da saúde e dos direitos humanos desconsidere os preceitos da OMS sobre grupos de risco (comorbidades, gestantes e idosos), bem como a saúde das pessoas que moram no mesmo domicílio das trabalhadoras e dos trabalhadores (crianças, jovens, adultos e/ou idosos que também compõem o grupo de risco).

É ultrajante que uma universidade que tanto discute as relações sociais, seus contextos e determinantes históricos e culturais, desconsidere as desigualdades sociais e étnico- raciais bem como condições desiguais dos locais de moradia, dos territórios e de mobilidade na cidade, que também afetam de modos desiguais a população e as trabalhadoras e os trabalhadores da universidade.

É impressionante que uma universidade que apresenta um conjunto importante de produções acadêmicas sobre gênero, educação e relações familiares, ignore as condições das mães trabalhadoras e dos pais trabalhadores que têm sob sua reponsabilidade o cuidado de crianças e jovens, que não estão frequentando as escolas e que, mesmo se e quando retornarem, o farão sem obrigatoriedade e em regime de escalonamento, conforme definido pelas autoridades públicas. No caso do município de São Paulo, inclusive, em decisão recente do poder público, o retorno que se daria em novembro ocorreria apenas para o ensino médio e não para a educação infantil e o ensino fundamental.