Christian Dunker: psicanalista fala sobre depressão, rótulos e carreira We are/Getty Images

Por Helena Galante

Autor de Uma Biografia da Depressão, Christian Dunker fala dos sintomas que dependem de como são nomeados — e de como é importante não se fixar nos rótulos.

Diante de um psicanalista, muitas vezes nos sentimos intimidados. Seria pela sensação de que o profissional tem mais autoridade sobre a mente do que nós mesmos?

Isso se deve menos aos atributos pessoais e predicados de um ou de outro psicanalista e mais à nossa representação social. Quando você vai ao psicanalista, tem a antecipação de que ali você vai encontrar alguma verdade sobre o que você pensa. Isso dá um efeito que os pacientes comentam: “Eu venho aqui há tanto tempo e quando eu chego à sala de espera dá um frio na barriga e uma vontade de sair correndo”. Tem a ver com uma função meio de oráculo: se eu ficar mentindo, estarei mentindo pra mim.

Quando você decidiu seguir pelo caminho da psicanálise, qual era a sua observação de como as pessoas lidam com o sofrimento? Ao longo dos anos, foi mudando essa percepção?

Sou muito diferente daquele que um dia iniciou essa conversa. Você começa muito aderido à sua experiência com seu inconsciente, com os seus sintomas. Olhando depois de trinta, quarenta anos, é incrível como a gente acha que todo mundo é igual a gente, que análise boa é como a que a gente fez, teoria boa é aquela que a gente pratica… Isso é uma ilusão etnocêntrica. No fundo, a gente conhece muito pouco sobre os outros. Eles são mais “outros” do que a gente imagina.

Há pouco interesse nosso de conhecer esses “outros”?

Tanto a loucura quanto as coisas mais incríveis dos outros moram nos detalhes. Mas você precisa de um telescópio, de um microscópio, de um sismógrafo para poder perceber isso. Eu dou aula na USP de psicopatologia, então acompanho alunos que estão indo pela primeira vez a um hospital psiquiátrico. Eu não canso de me surpreender com o fato de que as pessoas não acreditam na loucura, só acreditam na sua própria (risos). Sobre os outros, dizem: “isso é psicológico, é caso de força de vontade”. É muito difícil reconhecer algo que para o outro é assim e para você não é.

Em seu livro, a depressão tem passado, futuro, muitas peculiaridades… Fica mais fácil olhar para ela como sendo uma personagem, a fim de entendê-la?

O livro é um estudo sobre a depressão. No fundo, a depressão não é uma coisa, é uma multiplicidade. A mensagem é sobre os sintomas em geral, sobre como eles dependem fortemente de como são nomeados. Uma pessoa na análise, por exemplo, fala que aos 5 anos e meio ouviu da tia que ela era muito dispersa. Só que ela é a pessoa mais concentrada do mundo, mas continua a se achar dispersa por causa do que ouviu. É muito poderoso quando alguém nomeia: “Você sofre disso”. Muitas pessoas se aquietam, precisam e buscam isso. É uma parte do processo, mas a pessoa não deveria se fixar tanto assim. É um pouco como os nomes que damos às relações: dizer que é um rolo, um casamento, uma amizade colorida… O nome é muito importante porque muda o processo, altera o que é a substância.

Como trazer questões de consultório para uma linguagem mais acessível?

As pessoas sofrem com nomeações técnicas, que às vezes alienam elas. Quem dá o nome a isso é uma outra pessoa, muito entendida, que sabe mais sobre mim do que eu — isso não é bom. Se você não está entendendo, está errado. No caso da medicina, você não precisa entender sobre seu fígado, você confia no médico. No caso da psicologia, você tem de entender. Se o diagnóstico não faz sentido para você, ele precisa ser mais bem explicado.

Christian Dunker Divulgação/Divulgação

Christian Dunker, psicanalista e professor titular de psicanálise e psicopatologia do instituto de Psicologia da USP, é autor do livro Uma Biografia da Depressão, lançado pelo selo Paidós, da editora Planeta. É o convidado do episódio Na Sala de Espera do Psicanalista, do podcast Jornada da calma.

Publicado originalmente em: https://vejasp.abril.com.br/blog/felicidade/christian-dunker/

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