21 fev 2022

Pesquisadora do IPUSP coordenou trabalho de formação de famílias que desejam oferecer lar provisório para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade; experiências estão descritas em e-book gratuito

Casal participante do Serviço de Acolhimento da Família – Arte sobre foto/IP-USP e Projeto Canguru

Tão importante quanto ter comida na mesa e um lugar para dormir, é poder crescer em um ambiente receptivo. Isso não é diferente para crianças e adolescentes que, por qualquer razão, são retirados dos cuidados de suas famílias biológicas. Por essa razão, existe o Acolhimento Familiar. Por meio dele, aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social encontram um lar temporário, onde podem aguardar a conclusão de seus processos judiciais, sem precisar passar por abrigos. 

No município de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, o processo de implantação do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora Canguru (SAFA Canguru) contou com a coordenação da pesquisadora Andrielly Darcanchy, do Instituto de Psicologia (IP) da USP. A iniciativa que foi criada em 2019, em parceria com a Vara da Infância e Juventude da cidade, já formou 14 famílias acolhedoras e intermediou o acolhimento de 20 crianças e adolescentes. Toda a equipe de acolhimento foi atendida pelo IP, entre 2017 e 2020, num trabalho chamado Plantão Institucional que auxiliou a equipe a refletir sobre o projeto.

Andrielly Darcanchy, à esquerda, pesquisadora da USP que coordena o projeto SAFA Canguru junto à supervisora do projeto, Márcia Favorim – Foto: Arquivo Pessoal

A experiência desse trabalho está no e-book Acolhimento de Crianças e Adolescentes em Famílias Acolhedoras: a experiência do Município de Osasco, que traz discussões inéditas na área, como o detalhamento de etapas necessárias para uma boa transição entre a situação de acolhimento familiar e a adoção por uma família substituta. O material está disponível para download gratuito neste link no Portal de Livros Abertos da USP.O conteúdo envolve desde questões de ordem prática, como a divisão de responsabilidades no processo e o funcionamento da rede de acolhimento, até aspectos mais subjetivos como, por exemplo, dar nome a um bebê durante o período que ele estará sob responsabilidade de uma família de acolhidos.

A publicação também tem como foco divulgar essa prática no Brasil: além da experiência do projeto em Osasco,  apresenta um histórico sobre a maneira como crianças e adolescentes retirados de suas famílias biológicas eram atendidos, até chegar à legislação atual e ao funcionamento de um Serviço de Acolhimento em Famílias Acolhedoras. 

 

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O acolhimento, segundo a publicação, é uma medida provisória, que acontece quando a criança ou o jovem, por determinação judicial ou atuação do conselho tutelar, é retirado de sua família de origem e precisa aguardar até que seu processo seja concluído. Nesse período, é preciso encontrar um local para que eles se desenvolvam até que sejam adotados por uma nova família, atinjam a maioridade, ou até, retornem à sua família de origem. Aqueles que não são acolhidos em lares temporários, vão para as instituições, que podem ser abrigos, ou as chamadas “casas-lar”, que são organizações menores, que conseguem atendê-los com mais exclusividade.

Andrielly explica que nos lares temporários, diferente das instituições, a criança ou adolescente não precisa dividir a atenção do adulto responsável com vários internos. “Isso é muito menos traumático do que ser afastado de sua família de origem para morar em uma instituição. Essa atenção individualizada propicia melhores condições de desenvolvimento.”

Ela ainda ressalta que as famílias acolhedoras são voluntárias e, por isso, a relação que elas constroem com o jovem não está ligada a uma questão  profissional, como ocorre com os funcionários de abrigos ou das casas-lar. “No caso do acolhimento familiar, compreendemos que o desejo de contribuir com aquela história de vida é anterior à preocupação com um vínculo empregatício.” Mesmo sendo um trabalho voluntário, a psicóloga explica que, na maior parte das cidades, é fornecido um auxílio financeiro para ajudar os acolhedores a arcar com os custos extras resultantes de ter mais uma pessoa em casa.

Para receber uma criança em sua casa, as famílias precisam se cadastrar, ser selecionadas, preparadas e acompanhadas por uma equipe técnica, que irá cadastrá-las na Vara da Infância e Juventude. Após esse processo, a família passa a estar apta ao acolhimento, assumindo responsabilidades cotidianas da vida da criança, como levar e buscar na escola, acompanhar em consultas médicas, vacinar etc.

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“O acolhimento é o relacionamento mais intenso que já vivi. Digo isso não com a intenção de romantizar o processo. Pelo contrário. Como todo relacionamento profundo, o verdadeiro ato de acolher e ser acolhido é construído no dia a dia, à base de trocas positivas e negativas. O aprendizado é enorme e acompanhar de perto as transformações de vidas e histórias é muito gratificante…. É ter a certeza, na despedida, que tudo valeu a pena”

Depoimento de uma família acolhedora de Osasco

Durante o período que o jovem está em lar temporário, acontece a avaliação da família de origem, processo que analisa a possibilidade de retorno do acolhido a seus familiares. Caso o magistrado decida que não é possível a reintegração pelos parentes, Andrielly destaca que a família acolhedora não pode adotar o acolhido. Nesse caso, ocorre a destituição do poder familiar e aquela criança ou adolescente é encaminhado para adoção. Assim, o acolhimento dura no máximo 18 meses, e não ocupa o espaço da família de origem ou de uma possível família substituta.

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Famílias participantes do serviço de acolhimento em Osasco – Foto: Divulgação/IP USP e Projeto Canguru

*Segundo o Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Serviço de Acolhimento, divulgado em 2011 pelo Ministério do Desenvolvimento Social ** Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento realizado pelo então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome de 2019 *** Censo Suas 2019

A institucionalização nos primeiros anos de vida

Entre os estudos citados na publicação para discutir os problemas da institucionalização, está o Programa de Intervenção Precoce de Bucareste, desenvolvido pela Universidade de Harvard, na década de 1990. A pesquisa, que se tornou referência nos estudos da psicologia do desenvolvimento, revelou, por meio do acompanhamento de órfãos da Romênia, que a experiência em instituições pode gerar danos cerebrais ao indivíduo, principalmente quando acontece durante os primeiros anos de vida.

Ao longo do programa, verificou-se que os órfãos apresentaram problemas cognitivos, como pontuação de QI abaixo do normal e atraso na aprendizagem da linguagem, que se acentuava quanto menor era a idade que eles haviam sido institucionalizados, e maior era o tempo que eles estavam no orfanato. Assim, a primeira infância, período entre 0 e 6 anos, passou a ser considerada como o período em que a criança é mais vulnerável a experiências de negligência. 

 

Orfanato na Romênia, em 1992: crianças viviam sem interações produtivas com adultos e em más condições de higiene – Foto: Toby Deveson/ Flickr

 

Em resposta a esses e outros estudos, o acolhimento familiar do Brasil e de outros países vem sendo focado nos primeiros anos de vida. Andrielly esclarece que mesmo o acolhimento institucional tem sido melhorado para mitigar os possíveis danos resultantes da institucionalização. 

Ao longo dos anos, foram desenvolvidas estratégias como a redução da quantidade de internos e o aumento do número de funcionários para os abrigos se aproximarem ao máximo de uma residência comum. Contudo, ela completa que “há questões intrínsecas à organização institucional que prejudicam a qualidade dos cuidados ofertados”.

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Material de treinamento do Projeto Canguru – Foto: Divulgação/IP USP e Projeto Canguru

Serviço

O Plantão Institucional do IP oferece serviço gratuito de supervisão de equipes para instituições públicas educativas, atuantes na interface da Educação com a Saúde ou Assistência Social.

As inscrições para o Plantão Institucional podem ser feitas pelo telefone da secretaria do setor de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia, no telefone (11) 3091-4172, disponível de segunda a sexta feira, das 9h às 16h, ou por e-mail (psicologiaescolar@usp.br).

A cartilha Acolhimento de Crianças e Adolescentes em Famílias Acolhedoras: a experiência do Município de Osasco está disponível em: http://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/749

Por Valentina Moreira, para o Jornal da USP | 16/02/2022  Atualizado: 17/02/2022 as 22:33 | Matéria originalmente disponível em:
https://jornal.usp.br/universidade/projeto-no-municipio-de-osasco-cria-rede-de-familias-acolhedoras-com-apoio-da-usp/

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