03 jul 2020

A pandemia da covid-19, que até o fim de junho havia deixado mais de 500 mil mortos e 10 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo, trouxe consigo uma onda de pessimismo.

Esse pessimismo pode ser medido em pesquisas de opinião que tentam quantificar as expectativas dos cidadãos em geral e de setores específicos da economia em relação ao futuro.

No Brasil, 68% das pessoas acreditam que as consequências nefastas da pandemia para a economia nacional durarão ainda muitos anos. Essa visão não difere do que as pesquisas internacionais apontam para o restante do mundo.

Mas o pessimismo não aparece apenas em gráficos, pesquisas e percentuais. Ela também pode ser medido nas interações sociais do dia a dia, entre amigos, familiares e colegas de trabalho, seja em teleconferências ou nos posts de redes sociais. O cansaço e o desânimo são perceptíveis em muitos círculos.

Muitos demonstram exaustão com uma situação que se revela excepcionalmente ameaçadora por muito tempo. No Brasil, na falta de uma orientação uniforme sobre a quarentena, algumas pessoas estão completando meses de confinamento voluntário, sem saber quando isso vai acabar. Com aulas suspensas, a tensão aumenta em ambientes familiares sobrecarregados de tarefas domésticas e de trabalho em casa, no agora famoso home office.

A falta de uma vacina, o alto número de mortos e o risco permanente de contaminação contribuem para o clima de paranoia e indefinição. Além disso, os problemas econômicos decorrentes da pandemia agregam uma nova fonte de vulnerabilidade para os que perderam seus empregos ou tiveram suas fontes de receita reduzidas.

Essa sequência de ondas de más notícias bateu de frente com uma tendência forte dos últimos anos, de considerar o otimismo, a força de vontade e o empenho pessoal como garantidores da felicidade. O boom dos livros de autoajuda do início dos anos 2000 foi sucedido pela onda de coach (treino), mindfulness (mente vazia) e outras formas de treinamento mental na busca pela felicidade.

Nesta entrevista ao Nexo por escrito, na quarta-feira (1º), Maria Julia Kovacs, professora livre docente sênior do Instituto de Psicologia da USP, fala sobre os pensamentos negativos que rondam a crise, alertando para seus riscos, mas também para a possibilidade de contribuição que essas visões podem trazer.

O que é ser pessimista?

Maria Julia Kovacs: É preciso diferenciar uma visão de realidade e o pessimismo. Num cenário de crise ou de anomia, como é pandemia atual, pode haver dificuldade de diferenciar o que é uma visão realista de uma situação difícil – com problemas, com riscos de desorganização – de uma visão pessimista, que só consegue enxergar dificuldades e desgraças.

As crises são situações de desequilíbrio, que trazem problemas que precisam ser considerados, mas também trazem oportunidades de novos caminhos. Se apenas o lado negativo for considerado, teremos uma visão pessimista. Se essa visão pessimista não for exagerada, ela pode ajudar a pensar em novos caminhos.

Porém, se essa visão consistir em apenas remoer o lado negativo, ela pode se aproximar de uma possibilidade de depressão e de falta de ação, de paralisia.

Ser pessimista é algo inerentemente ruim?

Maria Julia Kovacs: A visão pessimista pode ajudar a enxergar a realidade, vendo o que está errado e o que pode ser modificado. Entretanto, se o pessimismo levar a uma paralisia da ação, pode ser considerado algo negativo, porque leva a uma estagnação.

É preciso considerar o quanto a visão dos aspectos negativos ajuda a compreender uma realidade. Se apenas forem considerados os problemas, pode ser ruim, porque pode levar a uma imobilidade, a uma falta de ação ou a uma justificativa para não se envolver com os problemas, já que a visão é ‘de que adianta, se não posso fazer nada?’

A ideia de que temos de nos manter otimistas e positivos durante a pandemia pode acabar sendo uma ideia nociva?

Maria Julia Kovacs: Ser obrigado a ter uma visão otimista é, sim, opressivo. Há pessoas que têm naturalmente uma visão otimista, que procuram ver os lados positivos de uma dada situação. Faz parte da forma como essas pessoas lidam com a realidade.

Porém, se uma pessoa for obrigada a estar bem, a ser otimista, isso pode se tornar uma situação opressora. O mesmo aconteceria se alguém fosse pressionado a ser pessimista.

Cada pessoa lida com a crise à sua maneira. Considerar a realidade, ver os pontos negativos e os riscos, considerando as possibilidades de mudança, seria o ideal, mas cada pessoa encontrará sua própria forma de lidar com a crise.

O importante seria potencializar os recursos de cada um. A pandemia e o confinamento estão nos obrigando a olhar para nossos recursos e para nossas formas de enfrentamento.

Infelizmente, o que se observa é que muitas pessoas estão enfrentando a crise com dificuldades, com o aumento do sofrimento psíquico e existencial, com alto risco de depressão.

Por João Paulo Charleaux
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2020/07/03/Qual-o-papel-do-pessimismo-na-pandemia
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