Por Gilberto Amendola
Aulas de caratê, longas caminhadas por trilhas desertas, meditação, experimentos culinários, aulas virtuais de piano e, é claro, muita terapia. Eis algumas das estratégias adotadas por psicólogos (as) para sobreviver ao aumento de trabalho e à exaustão.
Colocada em números, a atuação de quem cuida da nossa saúde mental fica ainda mais pesada. De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), entre os seus associados (43 Estados e o Distrito Federal), 59% perceberam aumento de até 25% nas consultas no período; 69,3% atenderam pacientes que já haviam recebido alta; e 82,9% perceberam o agravamento dos sintomas em pacientes que ainda estão em tratamento.
Já na modalidade de atendimento online, uma das principais ferramentas utilizadas durante a crise sanitária, observou-se um crescimento de 1.856% em relação a 2019, em horas aproveitadas em sessões online – o que representa cerca de 80 mil horas de terapia à distância (dados da plataforma de saúde mental e desenvolvimento pessoal Zenklub realizada no primeiro trimestre de 2021).
A psicóloga e docente do Instituto de Psicologia da USP, Claudia Oshiro, 43 anos, já atuava em duas frentes (atendimento e sala de aula) quando a pandemia chegou e ela viu “o trabalho invadindo a própria casa”. “Com duas crianças pequenas, sem rede de apoio, comecei a perceber que o trabalho triplicou. De um dia para o outro, tive que me adaptar ao serviço remoto. E vieram aulas, projetos, livros, e-mails, WhatsApp… O desfecho foi clássico: burnout (distúrbio psíquico caracterizado pelo estado de tensão emocional e estresse provocados por condições de trabalho desgastantes)”, contou ela.
Claudia precisou procurar um psiquiatra para entrar com medicação, dormir melhor e ter mais disposição. “As pessoas estão de fato pifando – inclusive os psicólogos. A situação escancarou que o psicólogo também é gente e que precisa de ajuda”, observa.
Além do acompanhamento profissional, Claudia fez longas caminhadas, percorreu trilhas até chegar em cachoeiras desertas (na Serra da Canastra, em Minas Gerais) e andar de bike durante 20 minutos por dia.
O analista comportamental Emerson Figueirêdo Simões Filho, 35 anos, garante que, do ponto de vista profissional, “não conhece ninguém que não esteja sobrecarregado”. “Neste período, tive uma crise de ansiedade, na fase em que estava tudo, absolutamente tudo fechado e a gente sentia o risco até em pedir delivery. Quando acordei assim, precisei desmarcar minhas consultas, não estava bem para os atendimentos”, comentou.
Figueirêdo retomou sua própria terapia e recorreu à rotina de exercícios intensos, praticando caratê e kickboxing. “Comparo essa situação com uma corda de violão: você pode apertar aqui e ali, mas, em algum momento, ela pode acabar rompendo. No meu caso, claro, ajudou ser terapeuta, o autoconhecimento, conhecer as técnicas e a rede de amigos”, comentou.
Para a mestra e psicóloga pelo Instituto de Psicologia da USP Laís Nicolodi, 26 anos, o atendimento online foi um fator de estresse para muitos profissionais. “Pacientes com alta voltaram. O aumento de demanda lotou as agendas e ficou difícil até encaminhar pacientes para outros colegas”, disse. “Neste contexto, atender de casa (online) foi um desafio – que a princípio parecia positivo. Mas o que aconteceu é que houve um aumento de agenda, de disponibilidade. A gente passou a viver e a morar dentro do trabalho. A fronteira entre o descanso e o trabalho desapareceu”, afirmou.
Descanso. Laís lembrou que o tempo para locomoção (casa/trabalho), sair para o almoço, conversar com o porteiro e outras atividades que funcionavam como reforçadores sociais foram interrompidas. “Sem mencionar a falta dos amigos e familiares. Foi um momento importante para os profissionais reconhecerem os próprios limites. Foi preciso de autocuidado e, principalmente, aprender a dizer ‘sim’ para o nosso descanso. Quando estamos bem, cuidamos melhor dos nossos pacientes. Terapeuta não é super-herói, não pode dar conta de tudo”, afirmou.
Publicado originalmente em Terra.
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