Da Psicologia na USP à criação do Instituto de Psicologia da USP

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O Instituto de Psicologia foi criado pelo Decreto Estadual 52.326, de 16 de dezembro de 1969, que aprovou a reestruturação da Universidade de São Paulo (USP)), a entrar em vigor a partir de 1970, instituindo novas unidades universitárias, principalmente pelo desdobramento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCH), atualmente designada Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

Durante o ano de 1969, o Conselho Universitário discutiu amplamente o projeto da reforma universitária que seria implantada com a criação das novas unidades básicas da USP. No caso da Psicologia, a questão não foi pacífica no seio daquele colegiado, do qual não fazia parte nenhum professor da matéria. Vários conselheiros, ignorando a importância dessa ciência e de suas aplicações, argumentavam que não seria necessária a criação de uma unidade universitária exclusivamente para o seu cultivo. Para esses professores, bastava um simples departamento vinculado a algum outro instituto que seria criado.

Foi necessária uma verdadeira campanha de esclarecimento na qual se empenhou o professor Arrigo Leonardo Angelini, coordenador do Curso de Psicologia da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que propôs a criação do Instituto, com o decidido apoio do professor Samuel Pfromm Netto. Mesmo com a resistência de vários membros do Conselho Universitário, em memorável sessão de nove de maio de 1969, numa apertada eleição que resultou em 13 votos a favor e 11 contra, foi aprovada a proposta de criação do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP).

A nova unidade básica ficou composta por quatro departamentos:
1. Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade;
2. Psicologia Clínica;
3. Psicologia Experimental;
4. Psicologia Social e do Trabalho.

Assim, em 1970 começaram as atividades do IPUSP, tendo como primeiro diretor Arrigo Leonardo Angelini (1970 1974).

Seguiram se Dante Moreira Leite (1974 1976), Arrigo Leonardo Angelini (1976 1980), Maria José de Barros Fornari de Aguirre (1980 1984), Arrigo Leonardo Angelini (1984 1988), Zelia Ramozzi Chiarottino (1988 1992), Sylvia Leser de Mello (1992 1996), Lino de Macedo (1996 2000), César Ades (2000 2004), Maria Helena Souza Patto (2004 2008), Emma Otta (2008-2012), Gerson Tomanari (2012-2016), e atualmente, Marilene Proença Rebello de Souza.

O IPUSP passou a representar um marco significativo no cenário nacional referente ao ensino, à pesquisa e à prestação de serviços à comunidade no campo da Psicologia. Seus docentes se destacam pela produção científica, tanto no âmbito nacional como no internacional, pela participação em congressos e em outros eventos da especialidade e pelas publicações que oferecem aos estudiosos da ciência psicológica. Com a finalidade de exercer papel importante na formação de psicólogos, o corpo docente promove a participação dos alunos em investigações supervisionadas em diversas áreas de pesquisa, de modo a desenvolver a atitude científica e a reflexão metodológica.

Quanto aos cursos de pós graduação, no mesmo ano da fundação do Instituto, tiveram início os programas, em nível de mestrado, nas áreas de Psicologia Escolar e de Psicologia Experimental; em 1975, em Psicologia Clínica e, em 1976, em Psicologia Social e do Trabalho. O nível de doutorado surgiu logo depois, na mesma sequência temporal: Psicologia Escolar e Psicologia Experimental, em 1974; Psicologia Clínica, em 1982; e, Psicologia Social, 1989. O programa de pós graduação em Neurociências e Comportamento começou a funcionar em 1992, nos níveis de mestrado e doutorado. Todos esses cursos receberam credenciamento e são avaliados trienalmente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação.

O Serviço de Biblioteca e documentação do Instituto, que a partir do ano 2000 recebeu o nome de Biblioteca Dante Moreira Leite, é referência não somente para outras bibliotecas universitárias de Psicologia do país, mas igualmente para instituições congêneres da América Latina. Todas as atividades acadêmicas e administrativas do Instituto, além dos serviços sociais de atendimento à comunidade, estão concentradas em seis edifícios situados à Av. Professor Mello Moraes, 1721, na Cidade Universitária do Campus Oeste, em São Paulo.

Os antecedentes históricos do desenvolvimento da Psicologia no Estado de São Paulo, como também em outros Estados do país, devem ser buscados notadamente na atuação das antigas Escolas Normais, especialmente na primeira metade do século XX. No currículo de tais escolas, destinadas à formação do professor para o, então, chamado ensino primário, já figurava a Psicologia como disciplina autônoma. Em algumas escolas normais foram criados os primeiros laboratórios de Psicologia.

Pela extraordinária importância que teve para o desenvolvimento da Psicologia em nosso meio, destaca se a Escola Normal de São Paulo, conhecida também, na época, como Escola Normal da Praça, pela sua localização na Praça da República, posteriormente designada Instituto de Educação Caetano de Campos.

Exerceram a cátedra de Psicologia, naquela instituição, em sucessão, os professores Sampaio Dória, Manuel Bergstrom Lourenço Filho e Noemy da Silveira, que ficou mais conhecida posteriormente pelo seu nome de casada: Noemy da Silveira Rudolfer. Em 1912, Clemente Quaglio funda na Escola o Laboratório de Psicologia Experimental, reorganizado e ampliado pelo psicólogo italiano Ugo Pizzoli, que chegou ao Brasil em 1913, trazendo considerável quantidade de aparelhos científicos da tradição experimental de Wilhelm Wundt e destinados à realização de investigações nas áreas de sensopercepção e de psicometria de modo geral. Na década de 1920, o referido laboratório foi reativado por Lourenço Filho que, com a assistência da professora Noemy da Silveira e outros colaboradores, passou a realizar inúmeras pesquisas de maior interesse para a educação, como a elaboração e padronização de testes de inteligência, de memória, de aproveitamento escolar, análise psicológica das cartilhas para alfabetização em uso na rede escolar, questões ligadas à Psicologia da Criança e do Adolescente e tantas outras.

Assim, foi no campo da Educação que inicialmente vicejou a Psicologia, depois aplicada às áreas do Trabalho e da Clínica. Nestas áreas, os primeiros aplicadores dos conhecimentos psicológicos foram, em verdade, professores formados pelas tradicionais Escolas Normais. Esses professores aprimoravam sua formação em Psicologia nas próprias instituições onde exerciam suas atividades.

Em 1931, começaram a funcionar na Escola Normal de São Paulo os cursos, em nível superior, destinados ao aperfeiçoamento de professores nas áreas de Biologia, Psicologia e Sociologia da Educação. A professora Noemy da Silveira Rudolfer, sucedendo Lourenço Filho, assumiu a cátedra de Psicologia Educacional.

Em 1933, a Escola Normal, com as mesmas finalidades, recebeu o nome de Instituto de Educação, tendo a professora Noemy assumido também a direção do laboratório, já com a nova designação de Laboratório de Psicologia Educacional.

Nessa época, a professora Noemy submeteu se ao concurso para provimento efetivo da cátedra de Psicologia Educacional do Instituto de Educação, com a monografia intitulada A Evolução da Psicologia Educacional por meio de um Histórico da Psicologia Moderna, que, refundida, foi publicada em 1938 com o título Introdução à Psicologia Educacional.

Em 1934, pelo Decreto estadual 6.283, de 25 de janeiro, foi criada a Universidade de São Paulo, com a reunião de algumas escolas preexistentes e pela criação de novas unidades básicas, entre estas, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Na estrutura da FFLCH foi incluída a cátedra de Psicologia, que se encarregava das disciplinas complementares dos cursos de Filosofia e Ciências Sociais. Para o ensino dessa disciplina foram contratados sucessivamente três professores estrangeiros: Etienne Borne (1934 1935), Jean Maugüé (1935 1944), e Otto Klineberg (1945 1947); a seguir, a professora Annita de Castilho e Marcondes Cabral (1947 1968).

Em 1968, a cátedra de Psicologia passou a chamar se Departamento de Psicologia Social e Experimental. Na incorporação do Instituto de Educação à Faculdade de Filosofia, os professores daquele Instituto foram transferidos para a Seção de Pedagogia desta Faculdade e entre eles a professora Noemy da Silveira Rudolfer, que passou a reger a cátedra de Psicologia Educacional, com a colaboração de três assistentes, também transferidos do Instituto de Educação.

O acervo do Laboratório de Psicologia Educacional do Instituto foi anexado à cátedra e, sob a direção da professora Noemy, continuou a realizar pesquisas psicológicas de interesse para a educação, até sua extinção na década de 40. A cátedra de Psicologia Educacional encarregava se das seguintes disciplinas do curso de Pedagogia: Introdução à Psicologia, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia do Adolescente, Psicologia da Aprendizagem, Psicologia da Personalidade, Psicologia do Anormal, Psicologia Diferencial e Métodos da Psicologia, além de um Curso de Especialização, criado pela portaria Ministerial n. 497, de 15.10.1947, com as seguintes disciplinas: Psicologia da Criança e do Adolescente, Psicologia Diferencial, Psicologia do Anormal, Psicologia da Aprendizagem e das Matérias Escolares, Psicologia da Personalidade, além da exigência de estágios em serviços de Psicologia Aplicada e da frequência em seminários de métodos de pesquisas psicológicas.

Segundo a mesma Portaria Ministerial, a cátedra de Psicologia do Curso de Filosofia também passou a oferecer um curso de especialização com as seguintes disciplinas: Biologia, Fisiologia, Antropologia, Estatística e uma disciplina avançada de Psicologia, além de estágios obrigatórios em serviços psicológicos. A aprovação no Curso de Especialização era condição para a inscrição no doutoramento desde que uma tese elaborada pelo candidato, sob a orientação do professor catedrático pertinente, fosse aprovada em uma das cátedras da FFLCH. Na Cátedra de Psicologia foi criada, em 1954, uma área de especialização em Psicologia Clínica com os professores visitantes Durval Bellegarde Marcondes e Anibal Cipriano Silveira dos Santos. Eram principalmente essas as atividades de pós graduação na, então, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, anteriormente à reforma da Universidade de 1970.

Em 1953, a professora Annita de Castilho e Marcondes Cabral, contratada para reger a Cátedra de Psicologia no Curso de Filosofia da FFLCH, propôs à Congregação da Faculdade a criação de um curso de graduação em Psicologia, o qual foi finalmente criado pelo Decreto Estadual n. 3.862, de 28.5.1957. Com a duração de três anos, esse Curso conferia aos que o concluíam o diploma de Bacharel em Psicologia, pois era de caráter predominantemente teórico e acadêmico e nenhum direito de natureza profissional outorgava ao diplomado a não ser quem optasse por mais um ano de estudos de disciplinas de natureza pedagógica, para a obtenção do diploma de Licenciatura, com direito, então, ao exercício do magistério secundário.

O Curso de Psicologia começou a funcionar no ano letivo de 1958, com 18 disciplinas, distribuídas pelos três anos e ministradas pelos responsáveis e assistentes das duas cátedras de Psicologia existentes na FFLCH, sob a coordenação do professor Arrigo Leonardo Angelini que, no ano de 1956, fora aprovado no concurso para o provimento efetivo da Cátedra de Psicologia Educacional, que ele vinha exercendo em caráter de interinidade desde 1954, devido à aposentadoria da professora Noemy da Silveira Rudolfer. Aos poucos, o Curso de Psicologia foi sendo mais bem estruturado com a inclusão de novas disciplinas, nas áreas da Psicologia Clínica, Psicologia Experimental e Psicologia do Trabalho, mediante contratos de vários professores, especialistas nessas áreas. Além das atividades didáticas, foram instalados laboratórios e biotérios, que possibilitaram o desenvolvimento e apoio à pesquisa; a abertura de centros de psicologia e clínicas com atendimento à comunidade, em que os alunos podiam fazer estágios e trabalhos práticos com supervisão dos professores.

As atividades aconteciam em prédios distribuídos por São Paulo. As aulas de Psicologia Social eram ministradas na rua Cristiano Viana, as de Psicologia Clínica na rua Jaguaribe, os laboratórios de Psicologia Experimental ficavam no Palacete Street, da alameda Glette e outras aulas ocorriam na rua Maria Antônia. Somente em 1967 toda a estrutura do Curso de Psicologia foi agrupada em um só local: o Bloco 10 da Cidade Universitária, no bairro do Butantã.

No final da década de 1950, aqueles que trabalhavam em Psicologia como professores universitários da disciplina, ou os que aplicavam os conhecimentos dessa ciência em diversas instituições profissionais ou em serviços de natureza assistencial, além de algumas associações de Psicologia existentes na época, julgaram que era chegado o momento de se estabelecer legalmente a profissão de psicólogo no País, mediante a formação regular em cursos universitários. Desenvolveu-se, então, uma campanha nesse sentido e durante vários anos tramitaram no Congresso Nacional vários anteprojetos até que, finalmente, em 27 de agosto de 1962 foi sancionada a Lei n. 4.119, que atendeu à aspiração. Por isso, no Brasil, o dia 27 de agosto é considerado o “Dia do Psicólogo”. Ainda durante o ano de 1962, o Conselho Federal de Educação, mediante o parecer que recebeu o número 403, fixou o currículo mínimo e a duração, em cinco anos, do curso de graduação em Psicologia, destinado à formação do psicólogo.

Aquele curso de três anos de duração, que formava o Bacharel em Psicologia, pela adaptação à nova Lei, passou a formar o Psicólogo em cinco anos, com a inclusão de novas disciplinas de natureza profissional. Foram então contratados novos professores, principalmente nas áreas da Psicologia Clínica e da Psicologia Experimental e novos ambientes de trabalho, inclusive biotérios e laboratórios foram instalados. Para a área da clínica foram admitidos os psiquiatras Cícero Cristiano de Souza, para a disciplina de Psicopatologia; Durval Bellegarde Marcondes, para a de Psicanálise; e, Anibal Cipriano Silveira dos Santos, especialista no Teste de Rorschach.

No que se refere à área da Psicologia Experimental, já se encontrava no Brasil, desde 1961, o professor Fred Keller da Columbia University de New York, contratado como professor visitante pelo então Diretor da Faculdade de Filosofia, Paulo Sawaya, professor de Fisiologia, que ofereceu seu próprio laboratório para início das atividades daquele visitante. O trabalho de Fred Keller determinou um grande impulso na área da Psicologia Experimental de base behaviorista e contribuiu decisivamente para a formação de vários alunos e assistentes, que posteriormente vieram se tornar professores e pesquisadores em diversas subáreas da disciplina, como: Carolina Bori, Walter Hugo de Andrade Cunha, César Ades, Fernando Leite Ribeiro, Ana Maria Almeida Carvalho, Maria Amélia Matos, Dora Fix Ventura, Arno Engelmann, Mário Guidi, Rodolfo Azzi, João Cláudio Todorov e muitos outros.

Um evento também importante no desenvolvimento da Psicologia na USP foi o movimento que desencadeou em vários países a Reforma Universitária da década de 1960, em que estudantes reivindicavam uma participação mais democrática na estrutura das universidades, tanto organizacional, como de representatividade por parte dos professores, funcionários e estudantes.

E assim, a reforma de 1970 extinguiu as cátedras e criou os departamentos, extinguiu também o cargo de professor catedrático, substituindo o pela categoria de professor titular. Os docentes que trabalhavam em Psicologia na antiga Faculdade de Filosofia foram distribuídos pelos quatro departamentos do Instituto da seguinte forma: aqueles da área experimental, do antigo Departamento de Psicologia Social e Experimental passaram para o Departamento de Psicologia Experimental, chefiado inicialmente pela professora Maria José Mondego de Moraes Barros, transferida da Escola de Educação Física da própria USP; os da área social passaram para o Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, cuja chefia foi exercida por uma comissão tutelar de professores, uma vez que entre os docentes que integraram inicialmente esse Departamento não havia nenhum na categoria de professor titular, condição para o exercício do cargo; os docentes que exerciam suas atividades na Cátedra de Psicologia Educacional passaram a integrar o Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade, sob o chefia da professora Maria José de Barros Fornari de Aguirre; e, finalmente, os docentes contratados na área clínica passaram a compor o Departamento de Psicologia Clínica, chefiado pela professora Odette Lourenção Van Kolck.

Com este breve histórico dos antecedentes das atividades de Psicologia em São Paulo, notadamente na própria USP e, pelo que o Instituto de Psicologia, ao completar 40 anos de existência, representa atualmente no Brasil em termos de ensino, de produção científica e de serviços à comunidade, pode se concluir que foram plenamente justificáveis os treze votos favoráveis do Conselho Universitário que, em 1969, permitiram, em boa hora, a criação desta unidade básica da USP.

Por Arrigo Leonardo Angelini
Fonte: livro 40 anos do IPUSP

livro 50 anos