24 set 2021

Por Gabriel Melloni

O assassinato de uma jovem pelos próprios amigos em Goiânia, no fim do mês passado, retomou uma dúvida há tempos levantada em episódios do gênero: afinal, o que torna uma pessoa psicopata?

No caso de Ariane Bárbara Laureano de Oliveira, de 18 anos, foi justamente esta questão que resultou em sua morte. Raíssa Nunes Borges, 19, queria testar se era ou não psicopata. Para isso, decidiu checar qual seria sua reação após matar a amiga.

“O episódio de Goiás é muito triste, porque é um exemplo de como essa cultura da psicopatia vai se infiltrando nas pessoas, gerando dúvidas, que são muito frequentes em adolescentes e mesmo em muitos adultos. São dúvidas que constituem nossa identidade, que geralmente levam em conta a projeção que a gente faz de uma parte de nós mesmos em nomes e títulos diagnósticos”, aponta o psicanalista Christian Dunker, professor titular em Psicanálise e Psicopatologia do Instituto de Psicologia da USP.

Assassinar a própria amiga faria de Raíssa uma psicopata? O fato de sequer cogitar tal possibilidade já seria um indício desta condição? Para Dunker, não há indícios suficientes que sustentem tais alegações.

“Nenhum diagnóstico pode ser feito na base do comportamento. A gente leva em conta o que as pessoas dizem do que elas fazem, como se posicionam. E aí (no caso de Goiânia), as informações que temos não são suficientes para a gente definir uma resposta possível para isso.”

O que faz com que a pessoa seja considerada psicopata?

O especialista explica que o diagnóstico da psicopatia não é assim tão simples. A própria “fantasia” gerada em torno do termo pela sociedade contribui para a complexidade neste apontamento.

“É um diagnóstico que variou muito ao longo da história e que está cercado de fantasias, principalmente sobre a antissocialidade que habita em todos nós. Formou-se uma cultura da psicopatia”, aponta. “É difícil a gente falar sobre isso sem colaborar para que essa cultura se dissemine como parte da cultura do medo.”

O próprio Christian Dunker, porém, lista sintomas comuns nos diagnósticos de psicopatias do tipo psicopatológica, esclarecendo que eles não necessariamente estão ligados à patologia:

  • Personalidade antissocial
  • Dificuldades de lidar com contratos sociais
  • Impulsividade elevada
  • Envolvimento frequente com violência

Elemento “grupo” fez a diferença em Goiânia

No caso de Goiânia, Dunker considera que um elemento fundamental tenha sido o “grupo”. Afinal, Raíssa só agiu para resolver sua dúvida após ter apoio de, pelo menos, outros três amigos, que também participaram do assassinato.

“Quando você se joga em um grupo e esse grupo começa a confirmar as suas ideias delirantes, sem propósito, que individualmente você jamais poria em prática, encontra um acolhimento confirmatório do outro”, argumenta. “Você começa a funcionar em um trio, quarteto, quinteto, de uma maneira que você pode apontar: o funcionamento é psicopático, as pessoas não.”

Mitos sobre o assunto

Não raramente, a psicopatia é tema de filmes, livros e outras peças de ficção, o que colabora para esse folclore gerado em torno do assunto. Nestes casos, os personagens são retratados como pessoas maldosas, frias, sem qualquer sentimento de empatia, o que não necessariamente é o correto.

‘Um psicopata não necessariamente é agressivo e nem mesmo vai representar risco para outras pessoas. Mas isso vai depender de certas contingências”, aponta Dunker. “Precisamos distinguir o psicopata do malvado, do cruel. Como não conseguimos aceitar muito bem a crueldade humana, sobrecarregamos certos diagnósticos com aquilo que é contingente para isso: a malvadeza, a crueldade.”

O psicanalista considerou que o grande mito em relação ao assunto é considerar que o psicopata “não sente remorso, culpa, vergonha ou nojo” de suas ações. “O erro desse pessoal (de Goiânia) foi imaginar que se ela não sentisse remorso por um ato infracional, seria psicopata. Não é assim que a gente faz diagnóstico.”

Publicado originalmente em Yahoo! Notícias.

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