O “círculo íntimo” de Sigmund Freud (falecido há exatos 83 anos do dia da publicação deste texto, aliás) era composto por diversos nomes bem conhecidos daqueles com alguma familiaridade com a psicologia: Ernest Jones, Otto Rank, Karl Abraham e outros. Foi uma restrita rede de sociabilidade que trouxe contribuições paradigmáticas para esse campo de investigações e práticas – mesmo os que divergiram de Freud, como Carl Jung.
Ferenczi, húngaro mas formado e radicado em Viena, também fez parte do grupo de colaboradores próximos de Freud. Porém, tendo sido um dos primeiros a falecer, ainda em 1933, pode ter tido seu trabalho subvalorizado à luz da história.
Como aponta Kupermann em sua contribuição para o dossiê da Cult, publicada em Outras Palavras, textos célebres do “pai da psicanálise” foram concebidos para estarem em diálogo aberto com as formulações de Ferenczi, a exemplo de “Caminhos da terapia psicanalítica” (1918) e “Análise terminável e interminável” (1937). Tamanha confiança tinha o austríaco em seu “grão-vizir secreto”, como o chamava, que o incumbiu de proferir o histórico discurso que propôs a criação da Associação Psicanalítica Internacional, no 2° Congresso de Psicanálise de Nuremberg. Ele inclusive a presidiu, entre 1918 e 1919.

Em contraste com a postura mais passiva e silenciosa do primeiro modelo clínico freudiano, Ferenczi defendeu o que chamou de técnica ativa, de intervenções mais incisivas da parte do analista. Radicalizando essa ideia, propôs que a análise deve ser um processo com reciprocidade entre analista e analisando – seria necessário pôr a empatia na base das interações clínicas, deixando a impassibilidade distanciada (tão própria da medicina tradicional) de lado e se engajando profundamente naquela relação com o outro: o chamado estilo clínico empático.
Ferenczi também trouxe contribuições para a teoria do trauma, estudando o abuso sexual parental e introduzindo o conceito de identificação com o agressor. Seu trabalho influenciou figuras seminais da psicologia da infância: Melanie Klein se interessou pelos estudos em psicanálise ao frequentar seus cursos, e Anna Freud desenvolveu em “O ego e os mecanismos de defesa” (1936) os caminhos da identificação com o agressor nos traumas infantis.
Freud e seu grupo após palestra na Clark University, nos Estados Unidos, em 1909. Em pé, da esquerda para a direita, se vê Abraham Brill, Ernest Jones e Sándor Ferenczi. No mesmo sentido, sentados, estão Freud, G. Stanley Hall e Carl Jung.Apesar de imersos em processos históricos de suma importância, Ferenczi e seu corpus teórico não tiveram uma penetração correspondente nos estudos das décadas seguintes. O curso de Daniel Kupermann no Espaço Cult será uma oportunidade única para conhecer as concepções ferenczianas e se aproximar de ideias até aqui pouco conhecidas no Brasil.

O chamado “círculo interno” ou “círculo secreto”, colaboradores mais próximos de Sigmund Freud. Freud é o primeiro à esquerda, sentado, e Ferenczi está sentado ao centro.
Daniel Kupermann é psicanalista, professor livre-docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, pesquisador do CNPq e presidente do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi. É autor do livro Por que Ferenczi? (editora Zagodoni), publicado também na França pela editora Ithaque, e dos livros Transferências cruzadas: uma história da psicanálise e suas instituições (editora Zagodoni), Ousar rir: humor, criação e psicanálise, e Presença sensível: cuidado e criação na clínica psicanalítica, publicados pela editora Artes & Ecos. Instagram: @danielkupermann