05 nov 2018

Psicóloga Karina Fukumitsu aponta como familiares podem perceber sintomas da doença e aponta o caminho para a prevenção

Por Pedro Moraes – Folha de Londrina – 3/11/2018

Karina Fukumitsu explica que cada caso deve ser visto de maneira singular: “não há tratamento comum a todos”

A vida contemporânea impõe desafios complexos que atingem em cheio a saúde mental da população. O imediatismo ditado pelos meios de comunicação e a construção de uma aparente e eterna felicidade nas redes sociais são exemplos contundentes de como a convivência entre as pessoas se tornou bem diferente nos últimos 20 anos. A mudança no ritmo de vida é uma das causas da depressão, assim como há razões biológicas e de foro pessoal, mas o fato é que um alerta pode ser visto a partir da incidência de casos. Os números não mentem. Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) de 2015, a doença atinge 322 milhões de pessoas em todo o mundo e a tendência é de crescimento. A psicóloga, psicoterapeuta e pós-doutora pelo Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), Karina Okajima Fukumitsu, especialista em suicídio, aponta que os indivíduos vêm enfrentando dificuldade para conviver com os próprios sentimentos. “Acredito que vivemos em uma sociedade na qual nossos sentimentos perderam espaço, pois não temos tempo para ficar tristes nem para adoecer. Somos exigidos e nos cobramos para ser produtivos e bem-sucedidos”, avalia a especialista e autora de vários livros sobre o tema, como “A Vida Não É Como a Gente Quer” e “Suicídio e Luto: Histórias de Filhos de Sobreviventes”, ambos da Digital Publish & Print.

Diante dos dramas em que a sociedade é exposta, como crise econômica, aumento vertiginoso da violência e até as dificuldades de relacionamentos interpessoais, todo indivíduo pode desenvolver a depressão. A psicóloga inclusive lista uma série de indícios que devem servir de alerta para possíveis doentes. Para isso é preciso estar atento aos sinais, que podem ser verbais ou comportamentais. Mesmo sendo uma doença que impõe riscos à vida e pode apresentar quadros graves, tem tratamento. O importante é o diagnóstico e o acompanhamento médico. Mas, no entanto, Karina Fukumitsu acredita que é possível falar em prevenção. Neste caminho, é preciso repensar em como se leva a vida. “Acredito que não adoecemos porque queremos e, por esse motivo, destaco que sempre é possível nos dar chances para descobrirmos algo a nosso respeito”, pontua a psicóloga, que aborda outros aspectos da doença na entrevista à FOLHA publicada a seguir.

Quais as razões para o aumento do número de casos de depressão e suicídio? 

Quando falamos sobre depressão e suicídio não podemos apontar uma única explicação para o aumento dos números. Tanto o suicídio quanto a depressão devem ser vistos de forma multifatorial, pois aspectos biológicos, emocionais, espirituais, sociais e culturais devem ser considerados. Também precisamos apresentar a diferença entre depressão e suicídio. Enquanto a depressão é um transtorno mental, o suicídio é um ato de comunicação de dor sentida e não consentida e que nem sempre é resultante da depressão, pois existem outros transtornos mentais associados, dentre eles, o transtorno bipolar e esquizofrenia. Além disso, podemos definir o suicídio como uma morte motivada por intenso sofrimento existencial, ensinamento do teórico Edwin Shneidman (descrito no livro “Suicide as a Psychache”, de 1993) referência principal dos meus estudos. Dessa maneira, podemos entender que o suicídio pode ser o ápice de uma complexidade de comportamentos autodestrutivos que cunhei por processo de morrência, um processo do definhar existencial causados por fragmentações em virtude da falta de intolerância existencial, desarmonia relacional, dificuldades de padrões funcionais para lidar com os obstáculos e dificuldades na comunicação.

O suicídio entre jovens é quarta causa de morte no Brasil. Porque o número de casos de depressão e suicídio entre jovens aumentou? Há uma razão diferente em comparação aos adultos? 

A adolescência é uma fase de desenvolvimento fértil em paradoxos e contradições. É um período de mudanças biológicas, psicológicas e sociais. Nesse período há reformulações de valores e de convicções e o adolescente busca identificações e necessita se agrupar com “os pares”, ou seja, pessoas que ofertam a sensação de pertencimento e aceitação. Muitas vezes, os jovens encontram nos jogos virtuais um lugar de pertencimento e ocupam boa parte de seu tempo se relacionando virtualmente. Concomitantemente, a aquisição de conhecimento para um jovem é muito diferente daquela que nós, adultos, tivemos. Em outras palavras, antigamente para obter informações éramos obrigados a realizar pesquisas em enciclopédias. Atualmente, se precisamos de informações, damos um Google. Sendo assim, o imediatismo foi reforçado, bem como a impaciência na aquisição de conhecimento se tornou latente. Ao mesmo tempo, se eu não gosto de um posicionamento de alguém, bloqueio a pessoa, desfaço a amizade, aproximando-me ou distanciando-me da pessoa facilmente, em apenas um clique de dedos. Dessa maneira, o isolamento que outrora era visto como um alerta importante, atualmente se tornou “comum” uma vez que as relações virtuais são as motivações principais na autorização de que nossos jovens fiquem em seus quartos. Sendo assim, a partir da mudança do espaço do jovem que se relaciona de forma virtual, aconteceu um enfraquecimento das relações interpessoais, ou seja, o jovem não necessita exercitar tanto o desenvolvimento das relações interpessoais que solicitam constante acordo entre as partes. Enfim, acredito que uma tríade se instala no mundo do jovem e que dificulta o desenvolvimento de habilidades para responder às adversidades: isolamento, imediatismo e impaciência, perfazendo a tríade necessária para se aproximar dos principais fatores de risco para o comportamento suicida, os 3 D’s apontados pela Cartilha da Associação Brasileira de Psiquiatria (2014): desamparo, desespero e desesperança.

É possível dizer que vivemos numa sociedade na qual a tristeza perdeu espaço?

Acredito que vivemos em uma sociedade na qual nossos sentimentos perderam espaço, pois não temos tempo para ficar tristes nem para adoecer. Somos exigidos e nos cobramos para ser produtivos e bem-sucedidos. A distopia de um mundo perfeito e constantemente feliz provoca a sensação de permanente inadequação e assim emergem as sensações de esvaziamento e de não pertencimento. Desapropriamo-nos da crença de que, se já superamos certas adversidades, poderemos superar outras dificuldades que nos testam e que provocam a desesperança de que suportaremos a difícil fase. Sendo assim, todas as vezes que evitamos ou negamos nossos sentimentos, o sofrimento é acentuado. Nessa direção, o aumento do número de casos de depressão e suicídio pode estar relacionado com vários motivos, dentre eles, a inospitalidade que ofertamos para nossos sentimentos, mais especificamente, os sentimentos de tristeza, raiva, frustração, fracasso, não pertencimento e solidão.

Como se deve fazer os “primeiros socorros” a alguém que esteja com sintomas de depressão?

Os “primeiros socorros” demandam a observação de alguns dos sinais que variam desde os verbais até os comportamentais. São eles: perturbações no sono (excessivo ou insônia), dificuldade de concentração, irritabilidade, isolamento, medos e preocupações, pensamentos sobre morte ou sobre morrer, culpa, vergonha e cobranças de não ter atingido as expectativas, oscilação do humor, pessimismo, desesperança, desespero, desamparo, ansiedade, estresse acentuado, intensa raiva, sensação de estar preso e sem saída, dentre outros. Algumas frases também devem servir de alerta tanto para os casos de depressão quanto para os casos de suicídio. São elas: “Se isso acontecer novamente, prefiro estar morto”. “Quero sumir”. “Não aguento mais!” “Eu não consigo aguentar mais isso”. “Estou cansado da vida, não quero continuar”. “Eu sou mesmo um fracassado e inútil”. “Tudo seria melhor sem mim”. “Logo você não precisará mais se preocupar comigo”. “Ninguém mais precisa de mim”.

Como buscar e encontrar o tratamento mais eficaz para cada caso? O que deve ser levado em consideração?

Como dito, podemos compreender a depressão como multifatorial, todavia cada caso deve ser visto de maneira singular, não havendo “o melhor tipo de tratamento comum” para todos, ou seja, cada pessoa deve ser considerada como única e em sua singularidade. Todo o paciente, bem como sua família, tem o direito de saber e de compreender como é doença que é acometida para que se “familiarize” com os sintomas e para que possa, aos poucos, encontrar maneiras para acolher seu sofrimento e buscar novas formas para viver. Uma das terapêuticas mais importantes no tratamento da depressão é o esclarecimento sobre a doença e sobre seu tratamento.

É possível prevenir a depressão? 

A prevenção da depressão é possível, principalmente quando se há plena atenção de como a pessoa está vivendo sua vida. Nesse sentido, as questões priorizadas serão: Como estou conduzindo minha vida? Qual é o sentido que oferto para minha existência? O que significa ter qualidade em minha vida? O que me deixa feliz? A depressão é conhecida pela sua descrição nosológica, porém, em Psicologia se acredita que podemos conhecer a doença, mas não conhecemos a pessoa que é portadora desta doença. Nessa direção, o diagnóstico deve ser compreendido como mapeamento e não como território, ou seja, temos o adoecimento e não somos a doença. Acredito que não adoecemos porque queremos e, por esse motivo, destaco que sempre é possível nos dar chances para descobrirmos algo a nosso respeito, sobretudo, sobre nossa capacidade de superação e de ressignificação de nossas vidas e do nosso viver. Sempre é possível acreditar que, se tem vida, tem jeito. Sempre é bom dar créditos para que a vida possa nos emocionar e nos surpreender.

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