30 nov 2018

Pesquisadora apresenta em seu estudo a polarização entre ensino democrático e ensino autoritário no Brasil

Karen Danielle Magri Ferreira Razera, defendeu a tese “Diferenças entre escolas paulistas alternativas e tradicionais” no Instituto de Psicologia da USP. A pesquisa se propõe analisar as propostas de ensino das escolas tradicionais e daquelas conhecidas como alternativas. A hipótese inicial acredita que as escolas alternativas teriam um viés inovador e democrático de ensino, enquanto as escolas tradicionais atuariam de forma autoritária. Nesse contexto, é importante compreender que existe uma limitação representada pelos interesses do capital, que parece dificultar uma ação substancialmente democrática numa sociedade de classes. As tentativas são reais, no entanto, as contradições também são presentes. Inicialmente, é possível pensar que ocorra permeabilidade entre os dois modelos apresentados.

A pesquisa contemplou pontos de análise que poderiam diferenciar os modelos estudados, entre eles: conteúdo priorizado pela escola, o método pedagógico, as diversas formas de avaliação e o grau de participação dos sujeitos escolares. A amostra reuniu quatro escolas, duas alternativas (uma privada e uma pública) e duas tradicionais (uma privada e uma pública), e a organização da tese foi introduzida pela história da educação e da luta de classes como fator determinante para a desigualdade, os demais capítulos trataram da sociedade industrial, da autoridade e da formação do indivíduo (com relação à autoridade do professor), do desenvolvimento da pesquisa, seguida da análise dos dados e da apresentação dos resultados.

As escolas tradicionais direcionam o foco de trabalho para o conteúdo, a disciplina dos alunos e a autoridade do professor. Com relação à autoridade, cabe aqui um espaço para questionar as novas possibilidades de exercê-la já que as escolas alternativas contemplam a possibilidade de entregar autonomia ao aluno. Assim, a autora considera em seu estudo, que, em linhas gerais, as escolas tradicionais seriam lugares de “dor e tristeza”, enquanto as alternativas de “felicidade e democracia”. Mas a possibilidade de permeabilidade e os esforços de cada modelo para atingir o seu fim podem camuflar a real intenção de atender aos propósitos da sociedade de classe.

Com relação aos aspectos históricos da educação, vale ressaltar a relação direta com a história da sociedade. A criação de escolas, a necessidade de formação de mão-de-obra que atendesse aos interesses do capital durante o processo de industrialização e a diferenciação entre escolas de ricos e escolas para pobres nos levam a pensar nas relações de interesse do Capital.

Nesse contexto, encontramos algumas ideologias difundidas na sociedade, como a crença na possibilidade de ascensão social pela educação, como regra geral. O discurso da meritocracia pelo esforço social desconsidera diversos fatores limitantes que formam uma sociedade de classes em que há distinção entre o trabalho manual e o intelectual. As distinções aparecem como estrutura do próprio “desenvolvimento” social, desde as formas primitivas em que estavam ausentes as questões de classe e a educação ocorria de forma orgânica, até o acúmulo de capital em que surgem diferenças em relação ao tempo, aos interesses e aos fins a serem atingidos. As diferenças passaram pelo privilégio da propriedade, seguiram pelo surgimento da burguesia, que passou a deter conhecimentos e acesso, principalmente às universidades.

Assim, a escola tradicional surge como um desdobramento das necessidades da classe burguesa, e os problemas resultam das contradições dessas relações. No Brasil, a Escola Nova difunde o “aprender a aprender” preceito predominante nas escolas de modelo alternativo, no entanto, a ideia de “democracia”, do acesso público, não se reflete nos modelos atuais.

Aqui, as escolas alternativas surgem no contexto das décadas de 1960 e 1970 marcadas pela efervescência política com diversos movimentos de contestação e resistência, em diversas partes do mundo. As reformas e diretrizes implementadas nas escolas públicas, mais especificamente, contemplam a questão construtivista e da psicologia do desenvolvimento, e reforçam também o conceito da existência de uma cultura inferior, uma vez que buscam formar classes homogêneas controlando o conteúdo de acordo com a recepção, o que abre espaço para questionamento das intenções da classe dominante diante dessas propostas de ensino.

Nesse contexto, observar a sociedade e a escola na sua condição contraditória permite estabelecer críticas tanto às escolas tradicionais quanto às alternativas, a primeira planeja seu conteúdo a partir de um lugar de poder e a outra, que daria liberdade ao sujeito para escolha do conteúdo, não contempla que esse sujeito, inserido na sociedade, não é autônomo e está atrelado a estruturas de interesse do Capital. A pseudocultura permeia os dois modelos de escolas, a tradicional, quando retém informações para as provas e abre espaço para novas, por exemplo, está de acordo com a indústria cultural o que contraria o objetivo de formação de indivíduos críticos.

Os fatores característicos de cada modelo parecem não ser capazes de delimitá-los de forma inequívoca. Um exemplo diz respeito à autoridade do professor, embora as escolas alternativas tenham empenho para colocar o aluno no papel de protagonista no processo de ensino, a interferência maior ou menor do professor, muitas vezes, faz-se necessária. Nessa mesma linha de raciocínio, outras características também podem ser questionadas, há diferenças significativas entre escolas alternativas e escolas tradicionais com relação ao conteúdo, método, avaliação e participação dos sujeitos escolares?

Como hipóteses as escolas alternativas seriam mais democráticas o que facilitaria o aprendizado, no entanto, no contexto de sociedade industrial tenderiam agir de forma semelhante na medida em que os sujeitos são estimulados pela ideologia vigente. Os dois modelos apenas aparentam ser diferentes, a integração e a massificação social permeiam e “planificam” os modelos. Como falar em escola democrática numa sociedade que “não” é democrática. A ideologia que diz existir alternativas para a democracia numa sociedade desigual não se comprova, a possibilidade de escolha dos pais para matricular seus filhos na escola A ou B, por exemplo, é bastante limitada pela diferença original de classes.

Com relação à metodologia de pesquisa, os critérios das entrevistas e observações foram elaborados com base nas características identificadas nas pesquisas teóricas que descrevem os modelos pesquisados.

Destacamos, então, algumas premissas do desenvolvimento da pesquisa: “Se há diferentes classes sociais, há escolas com objetivos diferentes e, com isso, a democracia segue regida pela lógica de uma sociedade administrada, que discursa que as possibilidades dependem de cada sujeito, mas as oportunidades são diferentes, incluindo a formação.” “As escolas, alternativas ou tradicionais, seguem a lógica do mercado, com discurso de inovação.” Nesse contexto, os possíveis pontos de distinção seriam: o método, avaliação, interação dos sujeitos escolares.

As escolas tradicionais públicas apresentam a peculiaridade da obrigatoriedade de seguir o plano pedagógico padronizado (que contempla a educação continuada). A escola municipal escolhida menciona as diretrizes com viés construtivista, mas esclarece que nem sempre desenvolve suas atividades dessa forma, a professora acompanhada, inclusive, declarou-se como tradicional.

Durante o processo de coleta de dados por meio das entrevistas e observações fica evidente que embora exista a distinção classificatória entre escolas tradicionais e escolas alternativas não temos como contemplar modelos “puros”. Em uma das escolas, embora os alunos tenham “liberdade” de escolha dos conteúdos, estas escolhas devem ser feitas dentro dos limites de conteúdo apresentados pelo MEC.

De forma geral, observa-as aproximações entre os dois modelos embora alguns elementos da pesquisa sejam mais característicos em modelos específicos, como o método pedagógico e a interação entre os sujeitos. Até mesmo a escola inicialmente classificada como alternativa não se autodenomina dessa forma, isso é um fator indicativo de uma provável impossibilidade do modelo “puro” na dinâmica social. “As finalidades da educação para a escola cedem espaço para as finalidades da educação na sociedade baseada no Capital, a de preparar para o mercado de trabalho, minimizando as possibilidades de alternativas”.

Em uma das escolas tradicionais (privada) foram observados comentários machistas e homofóbicos, embora a professora tenha tentado conduzir algum tipo de discussão a respeito, essa foi de caráter mais superficial, destacando que as crenças familiares deveriam ser respeitadas, o que nos faz pensar acerca das limitações críticas quando consideramos o fato de não desagradar aos “clientes”, esse fator parece ser preponderante quando comparado à possibilidade de uma educação questionadora do status quo, além da preocupação de uma educação voltada para o mercado de trabalho.

Já na escola pública, mesmo contanto com diretrizes construtivistas, por motivos diversos, não consegue vivenciar a experiência do modelo “puro” também, entre os possíveis motivos podemos destacar a resistência de alguns professores e questões estruturais. Embora com diversas características tradicionais, a professora observada procurava caminhos para o envolvimento dos alunos.

Das experiências analisadas, destacou-se a roda de conversas das escolas alternativas como um caminho pedagógico para que os alunos consigam exercer o protagonismo e tomar decisões que estimulem a democracia e a conversa. No entanto, com relação à concentração dos alunos observa-se, em linhas gerais, maior atenção e silêncio durante o processo de ensino nas escolas tradicionais, já que intervenções e determinados comportamentos são mais aceitos e nem sempre considerados como indisciplina nas escolas alternativas. Nas escolas alternativas, nem sempre é possível ensinar com base no interesse dos alunos, uma vez que esse interesse, muitas vezes, não existe.

Com relação às avaliações observa-se, também, uma permeabilidade entre os modelos de avaliação tradicional e alternativa. Em ambos, são encontrados diversos tipos de instrumentos de avaliação. E a questão da reprovação para ser uma “questão” em todos os casos.

As interações entre os sujeitos escolares parecem demonstrar mais aspectos colaborativos nas escolas alternativas, o que não significa que esses aspectos não possam ser também encontrados nas escolas tradicionais, talvez, nesses casos, com mais dependência da mediação do professor, a questão da hierarquia também apresenta diferentes nuances entre os dois modelos.

Por Carla Sasse

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