Que lição prática e objetiva podemos aprender a partir do Massacre de Suzano? Para além da questão das armas, o que escolas de ensino médio podem e devem fazer de modo prático e objetivo no seu papel de escola?
Devemos sempre procurar extrair lições a partir das nossas experiências dolorosas. Enquanto não aprendermos o que precisamos aprender o sofrimento vai continuar. Mas à medida que aprendemos e crescemos em sabedoria e mudamos nossa conduta, os fatores que estavam levando ao sofrimento já terão cumprido seu papel e descerão ao fundo do esquecimento. Eles só emergem, e nos fazem tropeçar e sofrer para nos levar a recebê-los no domínio da consciência, de modo a podermos traçar seus contornos e aprender sobre nós mesmos a partir deles. A melhor maneira de homenagearmos os mortos, agradecendo pelo sacrifício de suas vidas, é aprender a nos tornar melhores seres humanos graças às suas vidas, e distribuindo o bem que advém desse amadurecimento a outras crianças e a outros jovens que, assim, terão uma chance melhor de alcançar a felicidade e se realizar como pessoa plena.
Objetivamente: É preciso instituir a prática de Literatura Terapêutica e trabalhar o tema como tema transversal, transdisciplinar, e como foco principal da disciplina de Filosofia. Para essa disciplina em especial, para que se cumpram os objetivos declarados no documento Base Nacional Comum Curricular(*), tremendamente úteis e atuais são os eternos clássicos da filosofia oriental (como Confúcio) e ocidental (como os estóicos Sêneca, Epicteto, Marco Aurélio, Boécio). Nesse trabalho, é crucial investir no diálogo com os alunos e na escuta de suas inquietações existenciais (seu lugar no mundo), pois é para lidar com essas inquietações que essa literatura é mais terapêutica. Às escolas, compete, sim, fazer isto, em especial no Ensino Médio, a fase em que afloram questionamentos sobre a própria identidade e papel no mundo e tem lugar o início das angústias existenciais, cujo endereçamento é tão crucial para a definição da própria personalidade e o forjar do próprio destino diante de tantos desafios e incertezas e frustrações típicos do viver no consternadoramente difícil Brasil da contemporaneidade.
É crucial admitir que os jovens precisam de ajuda e que a formação escolar deve endereçar honestamente essa necessidade crucial. Na população escolar é cada vez maior o número de alunos provenientes de famílias desestruturadas (pai e mãe ausentes e/ou dependentes de droga, como era o caso do atirador Guilherme Taucci). Jovens isolados e fechados carecem de apoio para lidar com a miríade de frustrações e inseguranças e incertezas típicas da idade, mas que têm sido monstruosamente magnificadas nestes tempos angustiantes em que o país vive em pé de guerra consigo mesmo. As escolas são transmissoras de cultura e formadoras de conduta social, moral e ética. A elas compete educar e ensinar, instruindo pela regra e pelo exemplo na interação com os jovens. Modelos são essenciais, tanto femininos quanto masculinos. Essa transmissão pode e deve ser feita de modo pessoal, afetivo, engajado, tanto em aulas formais quanto em grupos de estudo aprofundado e voluntário, e também em rodas informais de escuta e apoio mútuos, em que cabem todas as formas de produção e expressão culturais, como literatura, teatro, poesia, pintura, música. Em suma: vida cultural vicejante e abundante centrada na questão da identidade pessoal, da busca do próprio lugar no mundo, da realização dos talentos de cada um. Sabedoria de Vida é o que torna clássica a literatura clássica universal, sempre tão crucial aos jovens. As escolas de ensino médio podem e devem ousar almejar se tornar apaixonantes para seus jovens e o farão na medida exata em que passarem a endereçar de modo formal disciplinar e transversal em todas as atividades culturais as suas necessidades existenciais profundas. Artes cênicas (cinema, teatro), artes plásticas (ilustrações, quadrinhos), música (rap), poesia, literatura, vida. Na falta da disciplina Psicologia, a disciplina de Filosofia pode ser um portal para virar o jogo e tornar a escola apaixonante.
A disciplina de Filosofia é uma das quatro pernas do campo: “Ciências Humanas e Sociais Aplicadas: História, Geografia, Sociologia e Filosofia” Ela almeja o desenvolvimento e a formação de conduta ética e social. Propomos como tema crucial dessa disciplina a Sabedoria de Vida nos clássicos do oriente, com excertos de Analetos de Confúcio, e do ocidente com a leitura de obras fundamentais de Sêneca (Sobre a felicidade, Sobre a tranquilidade da alma, Sobre a brevidade da vida, Diálogos, Como morrer), Epiteto (O manual da vida), Marco Aurélio (Meditações) e Boécio (A consolação da filosofia). Sêneca e Boécio foram condenados à morte e encontraram a profunda paz na Sabedoria. Epiteto era um escravo que conquistou a liberdade por meio da Sabedoria. Marco Aurélio era um imperador general amado e respeitado não pelo seu poder mas por sua sabedoria. Ele, que era o homem mais poderoso da terra, aprendeu a ser um verdadeiro homem com um mero escravo: Epiteto. Vivia de modo sábio e humilde como um soldado comum e era amado por seus soldados. Contraria o cinismo de Maquiavel, ao demonstrar, pelo exemplo de vida, que o poder absoluto não corrompe uma alma bem fundamentada na Sabedoria. É deste conhecimento basal fundamental à Sabedoria de Vida que estão carentes os nossos jovens. Ele pode e deve ser ministrado como tema central da disciplina escolar em Filosofia. E Sabedoria de Vida pode e deve permear todo o ensino como tema transversal da Educação e Instrução e Vivência no Ensino Médio. Rodas de diálogo e escuta podem ser instituídas, com modelos masculinos e femininos de pessoas íntegras e felizes. A alegria vivificante e o entusiasmo contagiante do estudo vivencial apaixonado (como refletido no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, por exemplo) poderia ser um bom início para introduzir o estudo dedicado da Sabedoria de Vida como um dos meios de aplacar a imensa sede existencial de nossos jovens do Ensino Médio.
* “A BNCC na área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – integrada por Filosofia, Geografia, História e Sociologia – propõe a ampliação e o aprofundamento das aprendizagens essenciais desenvolvidas até o 9º ano do Ensino Fundamental, sempre orientada para uma educação ética. Entendendo-se ética como juízo de apreciação da conduta humana, necessária para o viver em sociedade, e em cujas bases destacam-se as ideias de justiça, solidariedade e livre–arbítrio, essa proposta tem como fundamento a compreensão e o reconhecimento das diferenças, o respeito aos direitos humanos e à interculturalidade, e o combate aos preconceitos.”
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