A popularidade do cigarro eletrônico entre adolescentes e jovens preocupa – e não é de hoje. Para além das questões de saúde, o produto tem apelo jovem e ganhou o status de acessório entre eles. Assim como colocam um boné e/ou as meninas usam uma bolsa, o produto na mão também compõe o look. Pois é, acredite se quiser, mas para muitos, segurar um tubinho colorido, degradê ou neon, os tornam mais descolados, portanto mais aceitos. E tá aí uma das difíceis batalhas que as famílias enfrentam: como tirar o cigarro eletrônico deles? Como fazê-los entender que não é bacana? Que faz mal.
Os modelos atuais de cigarro eletrônico, produto desenvolvido em 2003, costumam caber na palma da mão. São coloridos, têm cores fortes e vivas, formato fininho tipo batom labial. Alguns imitam um micro copo e tem até uma espécie de canudinho para o adolescente “beber” a nicotina. Isso mesmo: “beber” a nicotina. Sem falar nos juices. Sabe o que é isso?
São vapes saborizados. Todos desenvolvido para um paladar bem jovem: algodão-doce, melancia, cereja, marshmallow, menta, bala, sobremesas diversas, café, frutas e algumas combinações mais exóticas. Certamente, poderiam ocupar as prateleiras de uma vendinha de doces, mas vende-se mesmo nicotina aromatizada.
Dados do Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia, Covitel 2023, apontam que quase 12% dos jovens fumam porque “está na moda” e 20,5% porque têm curiosidade e 6,8% pelos sabores. Dá para perceber o impacto disso? O dano potencial é óbvio, não preciso repetir aqui.
Em Londres, os jovens vivem com o acessório na mão, ou seja, fumam a todo momento e a nicotina parece não ter fim. Como um scroll de tela. Basta recarregar e começa tudo de novo. Os refis disponíveis tornando o consumo contínuo. E mesmo no país da rainha – agora rei – em que a Lei não permite o consumo por menores, a venda dos dispositivos triplicou entre os mais jovens.
Mas, segundo publicação do jornal britânico The Standard, os vapes serão proibidos na Grã-Bretanha como parte da estratégia para combater o aumento do uso por adolescentes e jovens, como também para proteger a saúde das crianças. O plano para implementar a proibição, anunciado pelo primeiro-ministro Rishi Sunak, deverá entrar em vigor, no final de 2024 ou início de 2025. A partir dai, os estabelecimentos que forem flagrados vendendo os vaporizadores, poderão receber um aviso de multa fixa de £100 pelo conselho local, ou seja, quase 600 reais.
Já no Brasil, embora os dispositivos tenham a comercialização, importação e propaganda proibidas pela Anvisa desde 2009, eles são usados livremente. E para além dos danos à saúde bucal, infecções pulmonares, entre outros problemas, incluindo o próprio estímulo à dependência de nicotina, surgem mais perguntas: o que podemos fazer a respeito? Por que os jovens usam? Por que eles gostam tanto?
A professora do Instituto de Psicologia da USP, Leila Cury Tardivo, acredita que são vários os motivos por trás da adesão ao cigarro eletrônico por jovens e adolescentes. “No início, é realmente por curiosidade. Depois eles continuam para fazer parte do grupo e, às vezes, é também por rebeldia”, explica.
Para a doutora em Psicologia Clínica e Psicopatologia, o importante é pensar em todos os malefícios que todas essas situações trazem. “Meninos que estão deprimidos ou que se sentem desmotivados também buscam, muitas vezes na droga, respostas. Cada caso é um caso. Por isso, é preciso compreender o que se passa. Tentar o diálogo aberto e franco. Lembrar que punir ou castigar é o que menos funciona. A repressão violenta, nunca”, pondera.
Sensação de pertencimento Adolescentes e jovens precisam pertencer a um grupo. É essa sensação que faz deles indivíduos mais felizes e serenos com a própria personalidade, ou com quem estão se tornando. E muitas vezes, fumar cigarro eletrônico entra nesse lugar. Mais do que rebeldia, existe uma necessidade e vontade de pertencimento – além de preenchimento das emoções. “A tentativa de suprir um vazio ou encontrar alívio para sensações desagradáveis, impulsionam a busca pelo cigarro eletrônico ou por outras substâncias”, fala a psicóloga Leila.
“Mas o cigarro eletrônico não suprirá a carência. Não trará respostas e nem alívio para o que não está bom. Então é muito importante estar junto deste adolescente e abrir espaço, tanto na escola como em casa, para buscar alternativas e soluções”, salienta.
Em concordância, Marcelo Veiga, psicólogo especializado em adolescentes, também levanta a questão sobre o que motiva os adolescentes a começarem a fumar e o que está por trás do hábito. “É importante promover debates para avançarmos nessa conversa, ao invés de nos limitarmos apenas à proibição da substância”, enfatiza.
O especialista comenta sobre a influência das mídias sociais. Para ele, o cigarro eletrônico se insere na narrativa de uma vida perfeita, onde tudo parece mais descolado e atraente. Essa perspectiva não é muito diferente da imagem distorcida que o cigarro convencional tinha há algumas décadas, quando era associado ao glamour, luxo e poder. “Basta a gente lembrar das propagandas de marcas como a extinta Hollywood, que retratavam pessoas independentes e bem-sucedidas em cenários paradisíacos”, fala.
Autonomia e a busca pela própria identidade Durante a adolescência, é comum surgir um interesse que leva os jovens a experimentarem situações variadas, incluindo o uso de drogas”, explica o psicólogo Marcelo Veiga. “Nesta fase da vida, há uma busca pela consolidação da identidade, e a possibilidade de se distanciar dos pais, que antes eram a principal referência, eleva o papel do grupo como uma nova fonte de identificação.”
Para Veiga, esse comportamento está diretamente ligado à busca pela autonomia também. Ele observa que os jovens são mais capazes de fazer suas próprias escolhas e de se cuidarem também, embora os adultos questionem a qualidade desses cuidados. “Quando combinamos isso com o distanciamento dos pais para a busca da sua própria identidade e com escolhas individuais, a influência do grupo e o sentimento inevitável de onipotência, provocam um cenário ideal para a experimentação de drogas”, diz.
No entanto, Leila Tardivo acrescenta que o cigarro eletrônico não favorece em nada a busca da identidade. “Como eu disse, pode favorecer a sensação de pertencimento de um grupo, e aí, sim, o grupo é uma identidade. É uma questão de uniformidade, de comportamento, de roupa, de fala,” afirma.
Para a professora de Psicologia da USP, não só o cigarro eletrônico, como outras drogas podem trazer essa sensação. “Claro que o adolescente tem um desejo de autonomia e, muitas vezes, de rebeldia, mas ele precisa compreender qual é a melhor maneira de formar sua identidade. É preciso que ele tenha abertura para trilhar os próprios passos, inicialmente no grupo, e, gradualmente, moldando a sua própria identidade. E isso sem deixar seus valores de lado. Mas os pais precisam estar por perto no sentido de ajudá-lo a compreender isso, sem represálias ou violência.”
Por isso, a especialista reforça que o diálogo em casa e na escola com os professores, ainda é uma das armas mais poderosas nesse sentido. “Precisamos ter esses espaços definidos para discutirmos as dificuldades que esse adolescente ou esse jovem está sentindo no desenvolvimento de sua identidade. Nem todo adolescente que usa o cigarro eletrônico, ou outras drogas, vai se tornar dependente. Agora, o uso abusivo é sempre sério e pode causar dependência sim,” alerta.
Dialogar é melhor que punir Ainda que muitos pais se queixem que adolescentes não falam, que são monossilábicos, o diálogo é a melhor alternativa para tratar esta e/ou qualquer outra questão que vocês tenham em casa – e/ ou na escola. Além de amor, afeto e limites, pais e educadores precisam dialogar sobre os assuntos que julgam ser importantes. Sem dar voltas, sem se esquivar das palavras difíceis. Conversas transparentes e honestas são valiosas na construção de relação com o adolescente.
ara os pais que não sabem o que fazer ou como lidar com a situação, a orientação é buscar ajuda profissional. Seja na escola ou com profissionais de saúde mental, principalmente. Mas Leila reforça que o melhor caminho será sempre o de criar espaços para os filhos se abrirem e dizer o que sentem, o que pensam e quais são as dificuldades deles. Sempre com muita gentileza e afeto.
Por: Carolina Delboni, Estadão, 4/11/2024
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