16 mar 2024

Para ser caracterizado o transtorno, os sintomas devem durar pelo menos 15 dias e estar presentes a maior parte do tempo – Crédito: redgreystock/Freepik

No Brasil, dados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirmam que houve um aumento de 34,2% de pessoas que sofrem com depressão num período de seis anos, ou seja, de 2013 para 2019. Mundialmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o transtorno aumentou seu número de casos em mais de 25% apenas no primeiro ano de pandemia.

Além disso, dados do último mapeamento sobre a doença, realizado pela OMS, apontam que 5,8% da população brasileira sofre de depressão, o equivalente a 11,7 milhões de brasileiros, e situa-se como a quarta maior causa de ônus em todo o mundo e primeira quando se considera o tempo vivido com incapacitação.

Como a depressão funciona

Ricardo Alberto Moreno – Foto: LinkedIn

O transtorno atinge cerca de 300 milhões de pessoas mundialmente, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). De acordo com Ricardo Alberto Moreno, professor no Programa de Pós-Graduação do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a depressão pode ser descrita, do ponto de vista médico, como uma síndrome — estado patológico do humor caracterizado por vários sintomas e sinais clínicos.

Para ser caracterizado o transtorno, os sintomas devem durar pelo menos 15 dias e estar presentes a maior parte do tempo. Sobre os possíveis sintomas, Moreno comenta: “Humor depressivo, triste ou melancólico, incapacidade de sentir prazer em atividades usualmente prazerosas, alteração de sono, apetite, pensamentos ruins, pessimismo, falta de sentido na vida, às vezes pensamentos de morte ou suicidas, lentidão psicológica e motora para pensar ou agir, e pode ter complicações como morte, por problemas cardiovasculares, suicídio, ou piora de algum problema de base”.

“A depressão é uma doença do cérebro, ocorrem alterações na química do cérebro que são expressadas pelos sintomas que a pessoa com depressão sente e manifesta. Há vários tipos de depressão, não é uma coisa única”, complementa o especialista, que cita a depressão melancólica, atípica, psicótica, ansiosa, mista, entre outros subtipos depressivos.

Moreno ainda afirma que nem todas as pessoas terão depressão na vida, apenas aquelas com predisposição geneticamente determinada ou aquelas que foram expostas a situações estressantes intensas e prolongadas. “Se fosse o contrário, a humanidade já teria sucumbido aos problemas que enfrentou ao longo de sua história”, conclui.

Belinda Piltcher Haber Mandelbaum – Foto: Reprodução/IEA USP

Para Belinda Piltcher Haber Mandelbaum, professora no Instituto de Psicologia (IP) da USP, a depressão não é necessariamente uma doença, e sim uma reação que pode ser mais ou menos intensa e incapacitante e está relacionada a situações de perdas de maneira geral.

Segundo a docente, a intensidade dessa depressão vai depender de qual é essa perda, em que circunstância da vida ela se dá e como cada pessoa lida com perdas ao longo da sua vida. “A psicanálise mostrou que nós temos que lidar com a perda desde que nós nascemos, o parto já é uma separação, e essas situações vão estruturar os modos pelos quais, ao longo do desenvolvimento, a criança e depois o adulto vão lidar com outras perdas que vão ter pela frente”, comenta.

Dessa forma, Belinda acredita que o potencial de desenvolver a depressão está relacionado à situação em que a pessoa foi exposta, que pode variar desde eventos mais banais, com perdas do cotidiano, até dinâmicas sociais mais complexas, que afetam todo o conjunto social. Em qualquer caso, a professora afirma que deve haver um reconhecimento da perda para a recuperação do indivíduo depressivo.

Incapacitação causada pelo transtorno

Segundo Moreno, a depressão causa ônus maior por absenteísmo — faltas ao trabalho ou nas atividades do cotidiano — ou ao menos uma maior dificuldade e menor produtividade nessas atividades. Ele ainda explica que isso é um ponto importante para distinguir a doença da tristeza: “O indivíduo com tristeza pode modular seu afeto e sentir alegria, de acordo com os acontecimentos do seu cotidiano. Isto é mais difícil ou não acontece na pessoa depressiva”.

Isso ocorre pois, diferentemente da depressão, o professor explica que a tristeza pode ser motivada por eventos do cotidiano, não dura a maior parte do dia e tende a desaparecer logo. “É um estado psicológico normal que faz parte da vida psicológica de todos nós. Não incapacita ou traz prejuízos funcionais como acontece na depressão”, complementa.

Belinda explica que, nessas situações, é como se a pessoa perdesse, junto com aquilo que foi perdido, um certo interesse no mundo, uma motivação para investir em outras coisas, e alerta: “Situações em que a relação com a perda foi mais difícil, carregada de ódio ou ressentimento, mobilizam um sentimento de culpa e responsabilidade, e isso pode ganhar uma intensidade realmente muito grande”.

O que levou ao seu aumento

A pandemia, de acordo com Moreno, foi um dos pontos principais para o aumento dos números do transtorno: “No período, muitas pessoas predispostas geneticamente para ter depressão passaram a tê-la e os que já a manifestaram ao longo da vida recaíram”. Ele ainda afirma que outros tiveram reações de tipo depressivo ou ansioso, ou seja, durante o período de estresse se sentiram tristes ou deprimidos, estado que não durou muito tempo e não precisou de atendimento especializado.

Segundo Belinda, a pandemia causou um distanciamento diante das telas, que continuou mesmo após o seu auge. Além dela e das relações individuais, que sempre existiram na história dos seres humanos, ela afirma que alguns fenômenos sociais mais amplos da contemporaneidade podem ter ajudado a aumentar os casos depressivos no mundo.

“Grande parte da sociedade ocidental funciona, hoje, a partir de certos mecanismos em que muitos vínculos entre as pessoas se romperam, com uma exaltação do indivíduo e da competição. Então eu acho que todos esses processos vão ampliando a solidão, vão potencializando a ruptura de vínculos”, alerta a professora. Ela ainda afirma que tudo isso gera impactos psíquicos que causam um sentimento de solidão e que a retração do Estado e do bem-estar social amplia essa desestabilização psíquica.

Tratamento

Belinda explica que, com o sofrimento psíquico causado pela depressão, a pessoa afetada pode precisar de ajuda. “Essa ajuda pode vir de diversas formas, incluindo círculo de relações, amigos e família, religião, uma ajuda para lidar com as suas dores”, comenta.

A professora afirma que, em muitos casos, nem a própria pessoa com depressão entende a sua situação e o que está sentindo exatamente, já que pode estar no inconsciente, e conclui: “Nesses contextos, talvez seja necessário pensar em mecanismos sociais que, de alguma maneira, possam ajudar as pessoas”.

Em alguns casos, a especialista fala que é necessária uma ajuda profissional: “Uma psicoterapia, em que a pessoa vai entender esses processos com clareza, o porquê dela estar sentindo o que está sentindo. No caso de depressões mais severas, uma ajuda psiquiátrica, algum tipo de medicação pode ajudar”. Ela ainda alerta que a sociedade atual não permite espaço para tristezas e, por isso, algumas pessoas podem recorrer a medicações de maneira inadequada e abusiva.

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Por Davi Caldas, para o JORNAL DA USP NO AR, sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

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