Foto: Jazzie Moyssiadis

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Se o seu nível de cansaço e exaustão chegou ao ponto que você não tem energia nem para o skincare, saiba que não está sozinha. Para entender melhor o que está acontecendo com muitas de nós e como lidar com essa fadiga, conversamos com o psicólogo e professor da USP Sigmar Malvezzi. Doutor em Psicologia Organizacional pela Universidade de Lancaster, no Reino Unido, e especialista em organização do trabalho, ele propõe um caminho que não é lá muito fácil nem rápido para superar essa sensação de exaustão meio constante. Fala em mudarmos o foco de vida que quase todos nós temos hoje de buscar significado na vida por meio do prazer imediato vindo das sensações rápidas prazerosas, tipo comer um chocolate, tomar um vinho, assistir a uma série daquelas que te prendem sem fazer pensar muito, fazer um bom skincare, cuidar da imagem. Não é para isso deixar de existir, afinal, todo mundo precisa desses momentos, até para ajudar a recarregar essa energia que anda tão fraca. Mas o que ele argumenta é que não dá para apostar todas as fichas do sentido da nossa existência nisso. Segundo ele, é preciso cultivar “utopias”, ou seja, ter ideais, aspirações mais “sublimes”, porque isso daria uma satisfação mais duradoura, o que tiraria a gente desse ciclo eterno de ficar buscando satisfações imediatistas para tapar um buraco existencial. Bom, profundo e um projeto da vida inteira, né? A boa notícia é que o psicólogo também traz dicas práticas e rápidas para darmos uma chacoalhada nesse desânimo e uma delas é … fofocar.  “Fofoca não no sentido negativo, mas no sentido positivo: ‘Sabe, fulano ontem tomou chuva’. Não é nada, é uma bobagem, mas isso faz com que a pessoa se sinta conectada com o mundo, e assim se sinta viva porque deixa de se sentir isolada”, conta. A essas alturas você já deve estar se ligando que ele vai relacionar a nossa fadiga pandêmica ao isolamento social, mas isso tem solução, ou adequação, sem precisar quebrar norma nenhuma de proteção contra o Covid. Segue lendo a entrevista com ele para saber.

Muita gente anda sem energia para fazer nada, nem para o skincare. O que isso significa, doutor?
Não é só a pandemia que está gerando isso. O problema é que as pessoas estão perdendo suas utopias, estão deixando de ter ideais, aspirações que eu chamo de “sublimes”, que são muito importantes para que se tenha uma satisfação mais transcendental, mais contemplativa, e que é mais estável. Estamos, hoje, apostando todas as nossas fichas apenas no prazer sensorial e na realização de metas, não de ideais. Isso vem acontecendo há 40 anos, mas se intensificou com a pandemia. Precisamos nos sentir motivados, e o que a pandemia fez? Ela nos obrigou a ficar confinados, e, junto com o confinamento, ela nos causou medo, medo de ficar doente e de morrer. E em terceiro lugar, você não tem sinais claros se está controlando os riscos ou não. E, por último, muitos ficam revoltados porque as autoridades não estão reagindo e respondendo à altura da demanda da epidemia.

Como diferenciar um cansaço normal desse cansaço exaustivo que muita gente está tendo na pandemia?
O cansaço também pode ser positivo. Se você se cansou porque buscou realizar algo que mobiliza suas paixões, ou seja, que te motiva, o cansaço tem um sentido, se justifica e se torna algo bom. Agora, se é algo que acontece contra a sua vontade e te desgasta, batata: vira sofrimento.

Essa fadiga que não passa, então, vem do sofrimento?
Claro! Você sabe que uma das formas de tortura mais eficazes e utilizadas é o isolamento. Se te isolo numa cela durante 10 dias, você não vê ninguém, não fala com ninguém, isso tem um efeito de tortura. Isso porque precisamos dos outros na rotina da vida por dois motivos: primeiro porque realizamos trocas com os outros: troca de informação, troca de afeto, troca de objeto, mercadorias, muitas trocas. Além disso, sustentamos e reafirmamos a nossa própria identidade através do reconhecimento no outro. Porque confirmo quem eu sou por meio da minha relação com os outros. Outra coisa que a pandemia tirou bastante de nós – e as estatísticas vão mostrar lá na frente – é a inteligência coletiva. Os grupos funcionam por meio de inteligência coletiva, a partir da interação entre as pessoas. Isso facilita muito a vida em sociedade. Como ninguém está se encontrando, isso está se perdendo, deixando tudo mais confuso.

Quais são os sinais do cansaço excessivo considerados preocupantes, que exigem busca de ajuda médica?
O cansaço excessivo dá vários sinais, o primeiro deles é a dor. Outro sinal importante é a falta de ar. Há outros sinais como o suor, e tem gente que tem sinais mais complicados como dor de cabeça, outro tipo de dor, porque uma coisa é a dor muscular do cansaço outra coisa é a dor de cabeça, que é o sinal de que sistemicamente você está ficando comprometido por causa daquela atividade, então é melhor você fazer uma pausa. O que acontece conosco é que se você abusa, não respeita e não presta atenção nos sinais que seu corpo dá, você vai acumulando cansaço, fadiga, acumulando exageros. Aí, vários órgãos e sistemas do organismo começam a apresentar disfunções. Já vi acontecer com muitos alunos meus de mestrado e doutorado. Exageram, e tem uma hora que não conseguem mais ler, não dormem direito. Neste momento não adianta tentar seguir em frente a qualquer custo: mando eles não estudarem mais nada por três dias e fazerem qualquer outra coisa: jogar, nadar [fazer skincare, a gente diria!], sei lá.

Como tratar esse problema?
Do que você deve cuidar? Dos seus ideais, da sua transcendência. Não é algo difícil, o problema é que a gente está, hoje, esperando que o estímulo venha sempre de fora. Você tem que pensar que é você que constrói a sua existência, e durante esse processo, você deve descobrir a contemplação, que é esse prazer da alma, esse prazer interior, que não vem do prazer sensorial. Sem isso, dificilmente você vai se sentir livre. Além disso, deve tratar o seu corpo atendendo as necessidades dele. Você tem que esperar o organismo se recuperar daquilo que te desgasta, sentir sinais da diminuição do cansaço, da falta de ar, da dor. Já fiz estudos em ratinhos em que os levava à exaustão, até que eles ficassem totalmente catatônicos. Depois, devolvia um ratinho catatônico numa gaiola com vários outros ratinhos, com comida e água. Em 15 dias, o ratinho exausto estava recuperado: ele teve acesso a comida, água, camaradagem, conseguiu dormir. Nós precisamos da mesma coisa. Não existe nada mais enriquecedor para um indivíduo do que a convivência. Você ter amigos, ter pessoas próximas com que você tenha contato regular, você troca informações, você ganha reconhecimento, você troca afeto. E as pessoas complementam você. Na convivência social, a gente aprende a ter espírito comunitário, colaboração etc.

Mas como cultivar essa convivência social em plena pandemia? Dá para fazer essa troca de maneira virtual?
Claro que sim! Podemos e precisamos reinventar novas formas de convivência, seja por meio de telefonemas, de trocas virtuais. Vou te dar um exemplo: escrevi cartas para os meus filhos, mesmo morando na mesma casa. E hoje escrevo para os meus netos. Tenho dois netos que moram há 200 km de distância e escrevo cartas para eles. Algumas vezes, mando pelo correio, e outras, por e-mail, porque ninguém agora usa o correio. Outro dia, uma moça que orientei há 20 anos no doutorado me ligou, acho que por causa da solidão do confinamento. E no dia seguinte enviei uma cartinha para ela por e-mail. Acho que é isso que tem que fazer, tomar iniciativa. Por hábito de família, fazemos sempre comida juntos e comemos juntos. No ambiente da comida você pode falar muita coisa e ajudar os outros, e é algo que você pode combinar de fazer cada um na sua casa, com chamada de vídeo, por exemplo.

Mais alguma dica para melhorar o dia a dia, as tarefas, a energia cognitiva?
Para nós, seres humanos, não existe uma única resposta, nós temos sempre muitos caminhos. Por exemplo: tenho o hábito de visitar meus pacientes. A primeira coisa que faço quando me sento com eles, seja no hospital ou na casa deles, é contar uma fofoca. Fofoca não no sentido negativo, mas no sentido positivo: ‘Sabe, fulano ontem tomou chuva’. Não é nada, é uma bobagem, mas isso faz com que a pessoa se sinta informada: ela se sente viva, conectada com o mundo e quer saber o que aconteceu. Ela está isolada, é ruim para ela, e você a ajuda. Em segundo lugar, a ajudo a desenvolver ideais. (com edição de Carol Vasone)

Publicado originalmente em: https://www.bonitadepele.com.br/2021/05/07/3929/

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