Prof. Christian Dunker responde ao “Podcast Quarentena”

a questões sobre comportamento durante a pandemia da COVID-19

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– Como está a real situação das famílias com seus trabalhos?

– E quem não possui ferramentas digitais para se adaptar à educação e/ou trabalho à distância?

– Estamos incluindo ou excluindo digitalmente as pessoas?

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Transcrição da entrevista:

Carol: Sem dúvidas, esse isolamento social e mudança repentina de nossas rotinas pode afetar o psicológico humano. Sobre isso, o psicanalista e professor da USP, Christian Dunker, tem algo a dizer:

Dunker: O isolamento, ainda mais o isolamento que acontece de uma forma assim tão abrupta… Interessante que nós sabíamos que a quarentena iria chegar, que essa é uma medida sanitária usada por vários países, mas tem certas coisas que a gente só acredita quando realmente acontece. Isso dá a medida do traumático, daquilo que é novo, com relação qual a gente não tem muita experiência para comparação. Isso tocou, afetou nossa rotina – nosso conjunto diário de pré-decisões – que é mais ou menos assim que a gente pode definir uma rotina. Não tenho que pensar: escovo os dentes, entro no carro, chego trabalho, no trabalho tem ali as demandas que são locais. É como se tivesse uma armadura, né? Um conjunto de pré-decisões que já foram tomadas por você. Então, levantar e organizar um novo cotidiano dará um trabalho adicional, um trabalho grande. Muitas pessoas estão exaustas nessas primeiras semanas de quarentena, porque, sem se dar conta, estão tendo que levar adiante as demandas laborais e de estudo e, ao mesmo tempo, reerguer seu cotidiano, e isso implica decisões – como as coisas vão ser feitas, ponderações, experimentações, recuos, assistematicidades – uma série de dificuldades que eu acho que são nebulosas ou invisíveis.

Carol: Na medida do possível, migramos para o virtual. Na música de Raul Seixas, empregados, patrões, guardas, padres e fiéis interrompiam suas rotinas pois não havia mais ninguém nas ruas. Nesse momento, vivemos algo similar e lidamos com a essência de muitos serviços.

O movimento artístico-cultural, mais do que nunca, tem estado conosco nas mídias digitais. São indústrias do audiovisual liberando conteúdo para nossos computadores e televisões. São artistas independentes se apresentando nos telões. Os serviços de entrega representaram um reforço, trazendo até a nossa porta produtos do lado de fora. E desse outro lado estão profissionais que ajudam no combate à doença e mantêm o funcionamento das coisas. A famosa linha de frente está desde o gari que recolhe o lixo ao cientista que insistentemente estuda uma vacina. Mas como será quando pudermos retornar às ruas normalmente? Quem seremos depois desse episódio? Como se completa a canção de Raul Seixas quando a Terra voltar a girar?

Dunker: Interessante como a nossa convivência com as telas já está se aprofundando muito, trazendo novos malefícios que a gente não sentia tão fortemente, quando isso era uma parte menor do nosso cotidiano. A redução, especialmente de telas muito pequenas, o celular, a temporalidade que a gente tem nesse tipo de troca, linguística, a temporalidade mais acelerada, a impessoalidade, que advém da relativa perda da corporeidade nessa comunicação. Tudo isso são elementos um pouco iatrogênicos desse método de conversação. Pelo que trazem uma redução da experiência, uma perda de aspectos importantes da experiência, inclusive os intervalos. Na linguagem digital a gente vai aprendendo a passar de uma coisa pra outra, muito rapidamente – em um clique, fecha a tela, abre outra, está no zoom, está no google teams, Skype – e vai passando de uma coisa pra outra, sem aquele intervalo tão benéfico para a restauração psíquica. Acho que precisamos, depois dessa experiência, reinventar, moderar talvez o nosso uso de telas, entender que não basta passar de um universo para outro, que isso gera uma expectativa de aumento de produtividade que não se realizará. Nossa produtividade cai quando você está num ambiente de tela – seja porque você perde a conexão, seja porque você perde informação, seja porque você perde detalhes de informação, seja porque você se cansa mais. Pode escolher um motivo, mas a vida não é a mesma quando a gente está especialmente em largas jornadas de trabalho pela via da linguagem digital.

Dunker: Há muitas coisas interessantes pra aprender nessa situação. É possível que ela tire de nós o melhor e o pior; ela pode colocar certos afetos, como o desamparo e reposicionar certos discursos – como a relação entre populismo e a ação coordenada à fins. Penso que algum grupo vai sair mais ressentido e mais humilhado, vai sair se sentido mais abandonado, talvez percebendo certas realidades nos contratos sociais que nós propagávamos antes; e outra parte vai entender que esse é o momento de repactualização; que é possível inventar coisas novas, que é possível inventar novos tratos e, inclusive, que é possível se experimentar diferente. Dentro de casa, com a solidão, com a solitude, nessa nova experiência.

Carol: O que precisamos ter em mente é que tudo vai passar. O mar bravo vai acalmar e o dia vai nascer de novo. O caos vai se tranquilizar na medida do possível e a gente vai ser diferente. Que, de algum jeito, possamos aprender com o agora pra não errar daqui pra frente. Se cada um fizer sua parte, podemos projetar um amanhã melhor do que o hoje. Precisamos pensar coletivamente, e uma rede de apoio agora pode ser crucial pra muita gente. É necessário empatia e compreensão, na medida em que for possível.

Apesar da distância física, espero que a mensagem chegue até você nessa grande rede digital. Estamos juntos, mesmo cada um na sua casa. Nesse mundo à distância, em um abraço virtual.

Carol: Eu sou a Carol e esse foi o QUARENTENA.

Fontes:

BRASIL – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo da Educação do Ensino Superior 2018 Notas Estatísticas.

BRASIL – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101678.pdf. Acesso em: 30 Mar. 2020.

Músicas:

Bella Ciao Cover: https://www.youtube.com/watch?v=teLW4ebo5oA

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