“O que se produziu em IA, então, e o trajeto que sua história seguiu, foi de acordo com o que atendesse a uma dessas duas últimas: quando governos se envolveram mais, houve maior foco em objetivos de segurança, privacidade, educação e pesquisa; quando isso dependeu de organizações privadas, o foco foi a lucratividade”, ressalta o psicólogo. “Por fim, é comum que as tecnologias em geral, não apenas inteligências artificiais, só se tornem mais acessíveis à população em geral depois de terem sido mais experimentadas a partir do investimento público ou privado.”
A pesquisa discute o quanto a inteligência artificial tem banalizado a compreensão pública sobre o que define inteligência. “Conseguimos replicar fielmente apenas atividades que dependem de lógica e, em parte, da matemática, e assim temos uma ‘emulação’ da inteligência humana, sem qualquer perda ao resultado. Mas a inteligência em um ser humano não é estritamente racional, pois interage com a subjetividade, o afeto, a criatividade ou a moral para chegar a certas conclusões ou realizar certas tarefas”, observa Nunes. “Então, enquanto falamos abertamente sobre o quanto inteligências artificiais são admiráveis, acabamos, seja por inocência ou intenção, discutindo pouco as limitações e riscos causados por estas. Desse modo, pessoas são incentivadas a valorizar apenas a inteligência lógico-matemática e o conhecimento que seja instrumental, assim como incentivadas a acreditar que máquinas sejam capazes de fazer qualquer coisa no lugar de um ser humano.”
O psicólogo destaca que a forma como lidamos com IA hoje ainda é regada a muita desinformação e, assim como no caso de outras tecnologias, é dessa interação humano-máquina pouco refletida que surgem riscos ao bem-estar humano e à efetividade da própria tecnologia. “Mais ainda, a utilização inadequada e desavisada de uma tecnologia cria riscos de deformação da ética, o que na atualidade também impacta as pautas de riscos ESG, ou seja, ambientais, sociais e de governança [da sigla em inglês], em organizações privadas”, enfatiza. “A empolgação desenfreada dessas organizações em utilizar tecnologias que pareçam inovadoras ainda é em geral desproporcional ao cuidado tomado para controlar seus impactos.”
“Como vemos na história da IA, o caminho seguido pela tecnologia depende, principalmente, de como as gestões pública e privada protagonizam essa temática”, coloca Nunes. “É possível, sim, colocar tecnologias para operarem em favor do bem-estar e da experiência das pessoas, mas precisamos de mais responsabilidade para garantir isso.”
O trabalho foi orientado pela professora Sandra Ribeiro Patrício, coordenadora do Laboratório de Estudos em Psicologia Social e Mundo Contemporâneo: Paradigmas & Estratégias (Lapsi) do IP, e está disponível no portal de teses e dissertações da USP.