23 abr 2021

Lei que criminaliza a conduta de “stalking” por qualquer meio é sancionada no Brasil – Foto: Alexas / Pixabay

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Em uma noite de 1980, o ex-Beatle John Lennon caminhava em direção à sua casa, em Nova York. “Mister Lennon!”, gritou Mark Chapman, segundos antes de disparar cinco tiros contra o músico, que não resistiu aos ferimentos e morreu. Em seu julgamento, Chapman afirmou ter “stalkeado” Lennon – “fiz um planejamento incrível, um stalking incrível”, contou anos mais tarde – por meses antes de assassiná-lo, traçando seus passos e preparando o encontro. Os Estados Unidos passaram a criminalizar a prática de stalking no Estado da Califórnia em 1990, jurisprudência que foi sendo adotada pelo país. No Brasil, a criminalização só se concretizou mais de 30 anos depois.

O chamado stalking consiste em perseguir alguém reiteradamente, ou seja, repetidas vezes, por qualquer meio, ameaçando a integridade física e psicológica, a liberdade e privacidade da vítima. O termo “stalkeamento” se tornou mais popular com a internet, que alimentou uma forma de perseguição mais ágil chamada de “cyberstalking” e facilitou o acesso às informações das vítimas – que não são, necessariamente, celebridades, mas anônimos. Mulheres são os principais alvos e movimentos comuns contra elas são espreitamento, ameaças de morte, ameaças a animais de estimação e vandalismo contra seus bens.

Dados do Stalking Resource Center revelam que 76% das vítimas de feminicídio foram perseguidas por seus parceiros íntimos, sendo que 54% delas denunciaram à polícia estarem sendo “stalkeadas”, antes de serem assassinadas por seus perseguidores. Até 2020, a legislação penal brasileira enquadrava a prática de stalking como constrangimento ou perturbação do sossego, uma contravenção penal, não considerando a perseguição reiterada. Ou seja, uma infração penal considerada de menor gravidade e com pena de prisão simples de até dois meses e/ou multa. Em 2021, uma sessão no Senado, dedicada ao Dia das Mulheres, se debruçou sobre a discussão e a votação do projeto que inclui no Código Penal o crime de stalking, tema proposto em 2009. Aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a nova lei preenche uma lacuna no Código, impõe pena de seis meses a dois anos de prisão ao perseguidor e pode ser aumentada se o crime for cometido contra idosos, adolescentes, crianças ou mulheres.

stalker na psicologia

O psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP, Christian Dunker, explica que o comportamento de perseguição ou observação continuada do outro acompanha transtornos como a erotomania, a exacerbação de sentimentos amorosos que fazem a pessoa acreditar que o outro está apaixonado por ela em alguma medida. “No fundo, é uma substituição de algum outro desejo que a pessoa não consegue articular muito bem”, afirma o professor. Ele usa a expressão “big brotherização da vida” para ilustrar a situação causada pela aparição das mídias e redes sociais, já que “se tornou mais banal ter acesso à vida da pessoa e à vida das pessoas conectadas com aquele que te interessa e isso pode dar origem ao termo mais popular, “stalkeamento”, como também uma espécie de narrativa de novela que a pessoa cria, uma fanfic que coloca aquele que um dia foi amado: às vezes um ex-namorado ou ex-namorada como um personagem num devaneio, que será alimentado por fotos, pelo acompanhamento”.

O professor considera muito improvável que uma pessoa sem transtornos mentais anteriores, como uma psicopatia, não esteja na base do “stalkeamento”. “O desencadeamento pode ser o mais improvável encontro, ‘uma vez te vi no bar’, ‘outra vez te encontrei e trocamos algumas palavras’, ‘você me disse que achava interessante essa minha postagem’, qualquer coisa assim pode desencadear uma acumulação de pensamentos devaneantes e, posteriormente, de ‘stalkeamento’”, explica.

Dunker sugere que afirmações como “você precisa ficar comigo porque A, B ou C” ou “você tem uma obrigação de ficar comigo” são procedimentos que tendem a piorar com o tempo. “Muito importante dizer com toda a clareza que ‘não me procure mais, não me siga, não me acompanhe, não me encontre, não quero mais falar com você’”, ele alerta. Na maior parte dos casos, a pessoa pode ser ajudada pela presença de um terceiro, um psicoterapeuta, “ou até um amigo”, como conclui o professor Christian Dunker, pode ser alguém que auxilie no arrefecimento do comportamento nocivo do “stalkeador”.

Publicado originalmente em Jornal da USP

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