No Dia Internacional da Felicidade, o professor do IPUSP Christian Dunker e outros especialistas explicam que, mesmo em meio à tragédia, a busca por esse sentimento é uma possibilidade, não uma obrigação.

Quando a ONU (Organização das Nações Unidas) criou, em 2012, o Dia Internacional da Felicidade – 20 de março, também conhecido como hoje – para celebrar a importância desse sentimento na vida das pessoas, a pandemia de coronavírus e todas as suas consequências nefastas não eram parte da realidade global. Mas como comemorar – e sentir – a felicidade num ambiente tão carregado como o atual?

A orientação dos especialistas para quem deseja encontrá-la ou mantê-la é começar essa busca assumindo e acolhendo a própria tristeza e todos os outros sentimentos desconfortáveis com os quais temos convivido no último ano.

“Felicidade tem a ver com viver intensamente o presente, para o bem e para o mal, com seus dias de pesar e gravidade, como os que estamos passando agora. Tem menos a ver com expectativas e mais com a realidade”, diz Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e psicanalista.

Num cenário de caos, a tristeza irremediável e o otimismo descabido são igualmente nocivos. Foto: Sydney Sims/Unsplash

A afirmação corrobora o trabalho feito em 2014 por pesquisadores da University College London, no Reino Unido, que criaram uma fórmula matemática capaz de prever o quanto uma pessoa será feliz com base no que ela projeta e na relação disso com a realidade. A conclusão, veja só, já pôde ser conferida em memes nas redes sociais: quanto menor a expectativa, maior a felicidade.

“Essa relação ficou ainda mais evidente durante a pandemia. Notamos em nossos estudos sobre felicidade que quanto mais a pessoa cria ideações sobre o que vai acontecer nos próximos meses, mais vulneráveis elas ficam”, disse à CNN o neurocientista Robb Rutledge, que liderou a pesquisa.

Mas como não ter esperança de dias melhores diante do caos em que o mundo se enfiou? A pandemia já fez mais de 2,5 milhões de mortos no planeta e trouxe graves consequências econômicas, que resultaram em fechamento de postos de trabalho e aumento do desemprego.

Além disso, as restrições impostas pelo isolamento social também foram responsáveis por um aumento dos transtornos mentais. O Brasil foi o país que apresentou mais casos de ansiedade e depressão entre os 11 países que participaram de um levantamento realizado pela USP.

#Goodvibesonly

Esse cenário trágico pode estimular reações opostas e igualmente nocivas: uma tristeza irremediável ou um otimismo descabido. Imaginar que é possível estar sempre alegre agora é, no mínimo, irreal. Mas o discurso que prega o otimismo irrestrito como forma de enfrentar adversidades também pode trazer graves consequências à saúde mental, alertam os estudiosos do assunto.

Esse movimento ganhou força recentemente nas redes sociais com a #Goodvibesonly, que já contabiliza mais de 13 milhões de menções no Instagram. E foi batizado pelos especialistas de “positividade tóxica”.

“Trata-se de um fenômeno de negação da tristeza e de outras emoções consideradas negativas”, afirma o psiquiatra Daniel Martins de Barros, do departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Ao acreditar nessas afirmações de positividade contínua e achar que a felicidade é uma obrigação, começamos a nos esforçar para não sentir medo, raiva ou tristeza, emoções que, apesar de desconfortáveis, têm funções essenciais à sobrevivência humana.

“Se ignoramos esses sentimentos, passamos a ter dificuldade de acessá-los, até o ponto de não conseguirmos mais identificá-los. Só que eles continuam lá e em algum momento explodem em forma de adoecimento psicológico”, explica o psiquiatra.

Barros cita um estudo, publicado na revista científica “Journal of Personality and Social Psychology”, que mostrou que pessoas que evitavam entrar em contato com seus sentimentos negativos apresentavam mais problemas de saúde mental do que as que costumavam aceitar todas as suas emoções.

Resiliência x positividade negativa

Por mais difícil que seja a realidade, a única maneira saudável de encará-la é aceitá-la do jeito que ela é. Isso não significa deixar de tomar atitudes conscientes para ter algum bem-estar, lembra o médico de família Marcelo Demarzo, fundador e coordenador do Centro de Pesquisa Mente Aberta – Mindfulness e Promoção da Saúde, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “Frente a um momento de sofrimento, primeiro precisamos reconhecer que ele está ali e depois ver o que é possível fazer para amenizá-lo”, explica.

Um exemplo prático e atual para entender como aplicar essa sequência: ao se perder o emprego, uma pessoa pode, para evitar a tristeza e o pânico, buscar um consolo na ideia de que já nem estava tão feliz naquele trabalho. Não há nenhum problema em enxergar na demissão uma possibilidade de mudança de carreira, que é algo positivo e motivador. Mas é fundamental lidar com a realidade, sem negar que existe ao menos um lado muito negativo nisso, que é a perda de renda. “Isso é uma positividade saudável”, afirma Demarzo.

O especialista lembra ainda que a positividade saudável está relacionada à resiliência, que é a capacidade de, em uma situação de sobrecarga, lidar com ela e sair mais forte da experiência. “Ao contrário da resiliência, a positividade tóxica é um bloqueio, uma negação de uma situação, que não traz nenhum aprendizado”, conclui.

Negacionismo e infelicidade

Além dos problemas causados individualmente, os especialistas também apontam para os prejuízos coletivos ligados à exacerbação da positividade. Segundo Demarzo, uma sociedade que nega o sofrimento perde a capacidade de sentir empatia pelas pessoas que o rodeiam.

Essa falta de empatia pelo sofrimento alheio fica evidente, por exemplo, quando achamos que estamos consolando alguém com frases motivacionais. “Falar para uma pessoa que acabou de passar por alguma situação de perda que ‘poderia ser pior’, ‘que tudo vai ficar bem’ ou algo do gênero é desqualificar o seu sentimento”, afirma Daniel de Barros. O psiquiatra explica que a maneira correta de apoiar alguém é ecoar seu sentimento, dizendo algo como “eu sinto muito que você esteja passando por isso”.

Os especialistas apontam um exemplo ainda mais extremo dos prejuízos causados à sociedade por essa ideia de otimismo a qualquer custo. “A positividade tóxica é um capítulo preliminar do negacionismo”, afirma Dunker. Ele explica que o discurso negacionista, assim como a positividade exacerbada, está baseado na recusa do conflito, que faz parte da vida. E chama essa negação de “lógica de condomínio”, segundo a qual cria-se uma realidade artificial que vai ao encontro de uma idealização da realidade. “O resultado, invariavelmente, é a frustração”, conclui.

O psicanalista Pedro De Santi, mestre em Filosofia pela USP e professor da ESPM, também associa a positividade tóxica ao negacionismo, que ele chama de “pensamento mágico”.  “De acordo com a lógica de que se você pensar positivo tudo vai se resolver e nada de ruim vai acontecer, basta pensar positivo para não pegar Covid e ignorar todas as outras orientações”, compara.

Em um momento em que todos estão excessivamente vulneráveis à infelicidade, os especialistas lembram que felicidade não deveria ser vista como uma meta a ser alcançada, mas como o efeito de uma vida que vale a pena ser vivida na sua tristeza, no seu luto, nas suas perdas, e na sua raiva. “A recomendação que Freud fez há mais de 90 anos não poderia ser mais atual: ‘cada um deve encontrar o seu caminho para a felicidade, e que ele seja o menos negacionista possível’”, finaliza Dunker.

Por Fernanda Colavitti, da CNN, 20/32021
Originalmente disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/03/20/diferenca-entre-otimismo-e-positividade-toxica
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